23.2.11

Acordo Ortográfico

Enterro da língua

      Vasco Graça Moura continua a zurzir no Acordo Ortográfico de 1990. Transcrevo o mais relevante: «A maneira como essas entidades [parte da comunicação social] se prestaram a acatar uma ignomínia, aliás inaplicável, que dá pelo nome de Acordo Ortográfico é eloquente: para não falar já nas trapalhadas relativas ao emprego do hífen e ao uso de maiúsculas e minúsculas, acontece que ninguém é capaz de fazer funcionar correctamente as suas regras, por ser impossível determinar, no tocante às chamadas consoantes mudas, quando é que elas se mantêm, por serem pronunciadas num ou noutro dos lados do Atlântico, e quando é que elas se suprimem, por não o serem em nenhum deles.»
      Quanto ao hífen, concordo: as regras relativas a este sinal não vieram, como se impunha, simplificar o seu uso. Quanto às regras sobre o uso das maiúsculas e das minúsculas, é matéria menor.
      VGM continua: «Não fez impressão a essas luminárias que, para escrever “correctamente” a sua própria língua, um cidadão português tenha de saber como é que ela se pronuncia num país estrangeiro... E agora as coisas estão a ser levadas ao extremo do inconcebível: não se sabendo como aplicar o Acordo, vai-se mais longe do que o previsto no seu próprio texto e zás!, varre-se de uma penada consoantes que não são mudas e continuam a ser pronunciadas no Brasil! De maneira que se gera um novo fosso ortográfico da asneira, ainda mais absurdo do que o texto que é invocado.» 
      Posso estar enganado, mas para a aplicação das regras da Base IV do AO90 não se impõe o conhecimento de «como é que ela se pronuncia num país estrangeiro».
      Há-de referir-se ao Brasil, porque os restantes países de língua oficial portuguesa não parecem contar muito. VGM escreve ainda: «À sombra do Acordo estão a ser criminosamente fabricadas grafias anómalas que o Brasil não aceita nem pratica. E continua a não constar que países como Angola, Moçambique ou a Guiné, [sic] tenham ratificado a imbecilidade ortográfica que pretensamente as sustenta.» Sim, essas grafias anómalas já andam por aí. 
      E a estocada final: «É claro que não vale a pena falar do que está ou vai passar-se nas escolas do nosso país, nem se pode ainda medir até que ponto alguns oportunismos editoriais, para não perderem o negócio, vão contribuir para escorar as soluções mais aberrantes em matéria de livros e manuais escolares» («Um país invertebrado», Diário de Notícias, 23.02.2011, p. 54).

[Post 4479]

4 comentários:

Anónimo disse...

Sim, os cacógrafos vão gozar de um período delicioso em que se vacilará mais em apontar-lhes as cincas. Mas tranquilizai-vos: da língua a parte menos relevante é a moda gráfica do momento, ao invés do que poderão estimar os ingénuos ou os que ganham a vida com estas coisas. Fazei como eu, que nunca jamais li nem lerei acordos ou reformas ortográficas, guardo um santo terror do tracinho das 40 regras e pico (consta que agora drástica, mas, pelo visto, insuficientemente desbastadas), e tenciono continuar a escrever como me ensinaram, e mais ou menos aprendi (estas coisas só se pode exigir a um cidadão que as aprenda por uma e boa vez na vida, carecem da dignidade e momento daquelas a que o discreto e homem de bem torna, porque a vida é breve, a arte longa, e não se deve perder tempo com inânias), e decerto não há-de ser por isso que deixarão de me compreender, aliás «realizar», — com esta e outras como esta é que me hão e nos havemos de realizar cada vez melhor...
— Montexto

Anónimo disse...

Reparei agora no título do artigo de VGM. Faz-me lembrar aqueloutro de Ortega: España invertebrada, livro que sempre se me afigurou igualmente aplicável a Portugal, até por maioria de razão...
— Montexto

R.A. disse...

Não tenho a certeza mas acho que foi o califa Omar que mandou queimar a biblioteca de Alexandria - se os livros que lá havia eram contra o Corão deviam arder; ser eram a favor eram desnecessários. Parece-me que nem os leu ou mandou ler.
A Inquisição não foi um exclusivo cristão.

Anónimo disse...

Nem a Silbila um exclusivo grego.
- Mont.