E agora?
Um pequeno mistério: porque incluíram os redactores do Acordo Ortográfico de 1990 o par dicção/dição entre os vocábulos em que se conservam ou se eliminam facultativamente o c, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento? Dição é uma variante lexical de dicção. Talvez até tenha entrado na língua antes desta. Terá vindo, não através do genitivo, mas do nominativo do étimo latino. Distracção? O que acha, Fernando Venâncio?
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13 comentários:
É verdade, Helder. Como essa, já foram descobertas mais parvoíces no texto do Acordo Ortográfico de 1990, um texto ideológico, menos que programático.
De facto, e como você diz, dição (e inicialmente diçom, como no «Leal Conselheiro») é uma forma antiga (e superada) de dicção, e nunca uma variante sincrónica.
Que eu tenha notado, essa 'dicção' a par de 'dicionário' é a única patcoada do Acordo de 45 do género das que se multiplicam agora com os 'egícios' e o Egipto e a 'epilessia' e os epilépticos.
Talvez haja mais mas dão pouco nas vistas.
Cumpts.
Bic, Bic,
Que visão idílica dos idiomas, a sua!
Em todas as línguas (todas!) há uma saudável dose de “ruído” ou (mais chique) de hibridismo. Um exemplo chão: conservamos um muito latino articular, mas antes fizemos artigo, e antes disso já tínhamos feito artelho.
Formas ainda fresquinhas convivem, como vê, com outras mais ou menos evoluídas.
No caso que assinala: egípcio não obriga a grafar Egipto, uma grafia que, na economia da ortografia portuguesa, obrigaria a pronunciar o p (nisto, e só nisto, apoio o malfadado Acordo). Não é, pois, patacoada nenhuma.
Moral da história: dicção convive hoje com dicionário. E há-de fazê-lo por muitos e felizes anos.
O Portugal medievo, como organismo salubérrimo que era, digeria bem os alimentos, adaptando-os à sua índole e gosto: algumas palavras derivadas do latim já iam mais avançadas na via lusa do que as deixou depois a «revisão» quinhentista, mui adicta a latinórios...
— Montexto
Um dos tópicos da gramática de João de Barros (1540) intitula-se "Da Diçam", no qual trata do ' nascimento da diçã', a etimologia; na gramática de Fernão d'Oliveira (1536), janela, panela e castiçal são dados como exemplos das 'dições cujas etimologias aq buscamos'; o 'diccionario' apareceu em 1672. Portanto, o 'dicionário' de hoje é muito mais português que o espanholado com dois eles. Dicção, hoje, com 'c' articulado, é outra coisa, o que justifica a prolação.
"Epilessia" é invenção - não decorre do AO90.
Salvo se estiver a escrever em italiano, claro...
@ Venâncio
A economia do Português manda(va) Egipto porque a pronúncia oscila no 'p'. Mas isso é para acabar...
E já agora, porquê o 'p' de corrupção em 1945, quando o 'p' se não dizia?
No mais obrigado!
@ R.A.
'Epilessia' foi para não ser 'epilesia'. E para irmos adatando-nos ao impato aborto gráfico.
Cumpts.
Muito agradecido, Bic, pelas ligações. Vou referir o «impato» no título do Expresso, em artigo que preparo. É de morte.
Ups, este anónimo era eu.
(Que assinei como de costume. Dormirá o sistema?)
Venâncio
"Epilesia", só com um s, é invenção - não decorre do AO90.
"Impato" sem c e "adatar" sem p são invenções, são erros - não decorrem do AO90.
Demagogia ou reação? é escolher!!!
Pois se o prezado R.A. me tolhe a reacção que me sobra?
Cumpts. :)
Penso que o Bic estava a fazer graça com o Acordo, levando ao extremo, de propósito, a omissão daquelas consoantes.
Escrita criativa, se me permitem a imodéstia - como, aliás, todo "ao noventa" (também é de propósito esta agora).
E uma vírgula a seguir à "reacção" lá mais atrás faz também falta.
Cumpts.
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