Lisboa, MCMXLV
Com ambas as mãos me benzo! Então não é que numa obra de Vasco Botelho de Amaral que tenho aqui à minha frente abundam as «dições»?! Temos aqui um problema, Fernando Venâncio. Só um exemplo: «Os Franceses, por exemplo, também dizem, em correspondente dição — les diables se sont déchaînes. E à la diable lembre-se que quere dizer à doida, em desordem, à toa» (Meditações Críticas sobre a Língua Portuguesa, Vasco Botelho de Amaral. Lisboa: Edições Gama, 1945, p. 129). Vá, mais um exemplo, não vão pensar que foi lapso: «O protótipo do esquecimento do significado religioso está, a meu ver, nesta dição portuguesíssima, em que se aplica à palavra Deus (aliás, já desvanecida na interjeição que a contém) o grau diminutivo: adeusinho!» (ibidem, idem, p. 133).
[Post 4522]
8 comentários:
A reforma de 1911 deixou a ortografia portuguesa aos solavancos até 1945 (como já antes andava, e agora de novo). cuido que essa consoante tenha ido na voragem desses anos. - Estou aqui a lembrar-me do edifício que recebeu o prémio Valmor em 1916, na Rua Tomás Ribeiro; exibe na lápida do prémio "arquiteto: Miguel José Nogueira Júnior".
Cumpts.
É por estas e outras que eu, de vez em quando, volto ao passado. Dição, no sentido de vocábulo, ainda está viva e apesar de sua certidão de nascimento ser de 1289, Fernão d'Oliveira e João de Barros usaram-na; e embora antiquado, também existe no sentido de domínio, possessão. Em MMXI, o Houaiss e o Aurélio registram ambos; o da Porto e o Priberam registram o segundo.
«Dição», domínio, e «dicção», expressão, já na 1.ª ed. do venerando Morais, 1789. Mas (digamo-lo aqui entre nós e baixinho) o português tende a eliminar aquelas letrinhas, quer queiramos, quer não. É fatal. Há-de sobreviver.
— Montexto
Ups! Não nos deixam saltar nenhum post. (Tou a rènar, Helder).
É verdade. No século XVI, os gramáticos Fernão de Oliveira e João de Barros, mailo lexicógrafo Jerónimo Cardoso, usam abundantemente dição. Nesse século não encontro «dicção».
No século XVII, «dição» torna-se residual, enquanto a recuperação erudita lança dicção, que vai conquistar o palco praticamente por inteiro.
Fazendo as contas: «dição» tem um raro sabor arcaizante, e isso comunica a «dicção» um pozinho de artificialidade, de pomposo.
À vous de choisir.
Dição (vocábulo) é hoje arcaismo, quase não usado, mas dicção (maneira de pronunciar), penso eu, é a busca pela forma etimológica, nascido do Humanismo. Há outros exemplos para reforçar o argumento: convicção, estricção, evicção, ficção, fricção, micção etc. Quase todos têm primeiro registro em Bluteau ou Moares1789.
Paulo,
Ficção é vocábulo bastante mais temporão [ai, esse inspirador Montexto!].
Concretamente: «ficções» aparece já em 1552, na Primeira Década, de Barros, e «ficção» em 1567, na Crónica do príncipe dom João, de Góis.
Dispensa-se lembrar que o latinismo «ficción/ficciones» era, desde um século antes, correntíssimo em Castela, e que Barros e Góis eram, um e outro, devoradores de leituras castelhanas.
Nós inovámos no léxico, decerto, mas bem menos do que cá dentro acalentamos.
Prezado Venâncio,
generalizei ('quase todos') nas datações, mas tem 'ficção' ainda mais temporã, como registra o Houaiss: 1534, no "Corpo Diplomatico Portuguez contendo os Actos e Relações Politicas e Diplomaticas de Portugal com as diversas Potencias do Mundo desde o seculo XVI até os nossos dias", publicado entre 1862 e 1898.
Ora cá temos nós o famigerado gerúndio adjectivo dacalcadinho do franciú, pelo visto por obra e graça de entidade muito oficial: «Corpo Diplomatico Portuguez contendo os actos e Relações Politicas...» Lindo e muito necessário.
— Montexto
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