Já lá vai
«Os jornais contaram que [Annie Girardot] se apaixonou por Renato Salvatori, cara de homem, o boxeur irmão de Rocco. Tivesse ela escolhido Rocco (o bonitinho Alain Delon), eu ficava a saber que eu não teria chances. Há poucos anos, por um comovedor livro da sua filha Giulia Salvatori, A Memória da minha Mãe, eu soube que ela tinha Alzheimer» («A memória que não perco dela», Ferreira Fernandes, Diário de Notícias, 1.03.2011, p. 56).
Para mim, é um dos mais detestáveis galicismos que vieram conspurcar a nossa língua. Felizmente, tudo passa, e este barbarismo tem os dias contados (excepto, talvez, no Brasil). Alternativas: acaso, alternativa, boa sorte, dita, encontro, felicidade, fortuna , ocasião, oportunidade, probabilidade... A determinada altura, alguém veio propor o aportuguesamento em «chança», mas Vasco Botelho de Amaral fez ver que «chança» significa «mofa, zombaria, chalaça», e, como adaptação de «chance», seria inútil.
[Post 4504]
8 comentários:
«Chance», «charme», que agora se mudou em «glamour» (a roda da fortuna girou...), etc., etc.: o horror! o horror! — como exclamava o lunático Kurtz.
— Montexto
No Brasil, realmente, garanto que não está com os dias contados. Mas não me descabelo.
Não me admira. Quem é que hoje em dia se descabela com o que quer que seja, quanto mais com pontos de linguagem? Vale tudo. É fartar, vilanagem, como disse o outro em conjuntura mais cruenta.
— Montexto
Pois eu, naquele contexto, escreveria «não teria possibilidade» ou, melhor ainda, «não teria hipótese». É curioso que alguns dicionários (Priberam, por exemplo) não incluem esta acepção de «ter hipótese» no verbete «hipótese».
RS
E "curioso", tal como foi usado aí, não é também galicismo?
E escreveria bem. Se precisa de arrimo, apoie-se no Aulete Digital, v. g. «Chance» é que nem por chança!
— Mont.
o galicismo é imperdoável, certo. Mas o mais chocante, no trecho apresentado, é que num jornal se escreva com tanta falta de elegância e de ritmo, numa total ignorância das mais elementares regras estilísticas.
"EU ficava a saber que EU não tinha", "um comovedor livro", "tinha Alzheimer", que horror.
Sim, só apetece citar o Kurtz.
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Aproveitando ainda a maré de francesias: folheando hoje numa biblioteca pública Pantaleão e as Visitadoras, de Vargas Llosa (sim, em momentos de descuido também sacrifico aos deuses do momento, mas recupero depressa), deparou-se-me isto de Flaubert como epígrafe: «Il y a des hommes n’ayant pour misson parmis les autres que de servir d’internmédiaires; on les franchit, et l’on va plus loin. “L’Éducation sentimentale”.» Se se traduzisse por «há homens tendo por missão…», cair-se-ia no tal gerúndio adjectivo, inadmissível em português, de que se falou aqui, não há muito. E todavia bastas vezes se usou, como sempre que se escreve, por exemplo, «um dicionário contendo x palavras, a bíblia sagrada contendo o velho e o novo testamentos», etc. É uma pessoa benzer-se e fazer-lhe figas...
— Montexto
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