22.4.11

«Embaixadora/embaixatriz»

É a crise

      «O Ministério dos Negócios Estrangeiros suspendeu desde janeiro o pagamento de complementos de reforma a viúvas de ex-embaixadores e antigos funcionários. Em resultado, cerca de vinte ex-embaixatrizes — a quem era reconhecido um trabalho de utilidade pública — ficaram reduzidas a pensões de sobrevivência de valor muito escasso, que em alguns casos não alcançam mais de 70 euros» («MNE suspende pensão a viúvas de embaixadores», Expresso, 16.04.2011, p. 48).
      Já é pacífico que houve especialização de sentido, e que embaixatriz é apenas a esposa de embaixador? E já viram a definição de «embaixador» no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa? Ei-la: «Representante do chefe de um Estado numa corte estrangeira.» E na Sexta-Feira Santa não trabalham, claro.
      «Só quem ha tratado com exemplares da especie pode avaliar a dose de impafia que incha o peito constellado da farda de um embaixador de carreira. Não ha na creação animal mais vaidoso... a não ser uma embaixatriz» (Cousas Diplomaticas, Oliveira Lima. Lisboa: A Editora, 1908, p. 259).

[Post 4714]



12 comentários:

Bic Laranja disse...

Não é pacífico. «Embaixatriz» é apenas e só o feminino de «embaixador». Com quem ela é casada não é com a Gramática.
...
Cristalizou num tempo antes mesmo de existir, no tempo do Diccionario Pribérão da Lingoa Portugueza.
Cumpts.

Anónimo disse...

Estou com o caro Bic Laranja, que, por assim dizer, me tirou as palavras da boca. Por isso, nem acrescento mais nada. Os tais cinco minutos durante os quais tudo se pode explicar, isso não me interessa.
— Montexto

Helder Guégués disse...

Leiam aqui.

Paulo Araujo disse...

Nos tempos modernos há de ocorrer um dia um pedido de agrément (pelo amor de Deus, aceitem somente desta vez; é jargão diplomático até na língua inglesa) para uma embaixadora que ocupará o cargo em uma 'corte', onde residirá na companhia de sua embaixatriz.

Anónimo disse...

Farto de saber. Isso é o que diz o consultor do Ciberdúvidas, e com a sua razão: usus est ius et norma loquendi, escreveu o bom Horácio — «na pedra».
Mas ainda é possível re-sis-tir.
E acrescentar a vida diplomática, como já acrescentei a vida académica, ao rol do senador Rui Barbosa: «A vida parlamentar, a administração e o jornalismo têm sido, em todas as partes, os mais poderosos corruptores da língua e do bom gosto» («Réplica às defesa de redacção do projecto de Código Civil Brasileiro»).
Não há erro nem desvio que não tenha os seus paladinos. Já o mesmo se não dirá da norma e do correcto.
— Montexto

Anónimo disse...

De primeira, a última do caro Paulo Araújo. E abre-nos perspectivas interessantes. Senão, vejamos:
Portanto, segundo já aceite pelo Ciberdúvidas,
• do embaixador (homem), a sua mulher será embaixatriz; mas, e se a sua mulh... eh... se o seu cônjuge for homem, será também embaixatriz, ou será antes embaixador como ele?
• e, de uma embaixadora (mulher), como se chamará o cônjuge homem? Embaixatriz, ou embaixadora como ela, ou embaixador?
• e, de uma embaixadora (mulher), como se chamará o cônjuge mulher? Será também embaixadora como ela, ou embaixatriz, ou até embaixador?
À consideração superior do Ciberdúvidas.
(Fiquei com a cabeça à roda...)
— Montexto

Paulo Araujo disse...

E ainda pode ser mais complicado se ambos(as) forem bissexuais. E bem mais se ambos(as) forem transexuais e se comportarem bissexualmente.

Venâncio disse...

Isso é verdade, Paulo. E mais complicado será se um deles for extraterrestre, ou uma delas, ou só um ou as duas. Mas é só uma maneira de desconversar, e de assim estimular a geometria tradicional.

Bic Laranja disse...

Pois... não convém.
Cumpts.

Paulo Araujo disse...

Quis chamar a atenção, pelo exagero, para as particularidades da língua, que, no caso, nem é de país para outro, falantes da mesma língua (ainda que uma delas variante).
O próprio dicionário da ACL dá as formas "embaixador, a" e "embaixatriz", esta como "esposa do embaixador". Outra particularidade contrastiva para esse termo, é que os dicionários brasileiros, em geral, dão-no como 'mulher' do embaixador e os de Portugal como 'esposa' do embaixador, de significado mais restrito. Nem todo embaixador é casado com sua (dele) mulher.

Venâncio disse...

Desculpe, Paulo, se pareci um pouco fundamentalista. Mas penso que já chega de casamentos hétero de fachada, exactamente em meios diplomáticos.

Na própria supertolerante Holanda, até há pouco a rainha (sim, a minha rainha) proibia, ao corpo diplomático, o comparecimento de cônjuges do mesmo sexo em cerimónias, recepções etc. Teve de levantar a proibição, sob a pressão do Parlamento.

Paulo Araujo disse...

Tentando tornar ainda mais claro meu raciocínio, quando eu me referi a 'mulher', em contraste com 'esposa', quis apenas mostrar que um embaixador hétero pode ser casado ou pode ser, digamos, amasiado com uma mulher; em qualquer dos dois casos, no Brasil ela será embaixatriz; em Portugal sê-lo-á apenas na condição de esposa, mulher casada. Não sei se assim me explico quanto ao que entendi do dicionário da ACL que, particularizando embaixatriz como 'esposa', não chamaria assim a mulher do embaixador que fosse tão somente amasiada. Entendo que a ele, embaixador, compete apresentá-la como embaixatriz, sua mulher, seja ou não casado com ela.