15.4.11

Léxico: «enxugo»

Alta engenharia

      Nunca tinha visto a palavra «enxugo», e muito menos suspeitava que pudesse substituir — e com vantagem, pois é bem nossa — o vocábulo «drenagem», que vem do francês drainage. O contexto em que a li referia-se às obras que D. Dinis mandou fazer no paul do Ulmar. Recuamos século e meio e encontramos isto: «O enxugo dos pantanos exige de ordinario, para se effectuar, o emprego de custosas obras, de grossos capitaes, e emfim de todos os recursos da alta engenharia agricola, quer para dar sahida ás aguas accumuladas, quer para prevenir o ajuntamento de outras» (O Archivo Rural — Jornal de Agricultura, Artes e Sciencias Correlativas, n.º 1, I ano, Maio, 1858, p. 309). Na Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, leio que foi Fr. Martinho, monge de Alcobaça e esmoler-mor de D. Dinis, que, a mando real, realizou esses importantes trabalhos de enxugo no paul do Ulmar. Não deviam os dicionários fazer remissões mútuas nos verbetes «enxugo» e «drenagem»? 

[Post 4692]

4 comentários:

Anónimo disse...

Alta escrita, e... enxuta! Espelhem-se os escrevinhadores e periodiqueiros das folhas e revistas — literárias — de hoje nas — rurais — de século e meio.
— Montexto

Anónimo disse...

Note que "drenagem" cobre hoje muitas técnicas de áreas tão diversas como as engenharias e a medicina. "Enxugar um pântano" parece-me bem, mas "enxugar uma bomba hidráulica" ou "enxugar um abcesso" já me parece descabido.

É um dos problemas das fontes antigas: não contemplam o saber moderno, sendo por isso limitadas.

Além do mais, noto que o Helder tem, ultimamente, desenvolvido uma certa aversão aos galicismos. Há alguma razão em particular? São-nos úteis e muitos deles já estão consagrados há tanto tempo, que não vejo necessidade nem sentido em querer agora aboli-los e substitui-los por soluções por vezes rebuscadas. A nossa língua e a nossa cultura são mestiças por natureza, tantas foram as culturas e as línguas que a influenciaram. Aceitemos esse facto e dirijamos os nossos esforços para o combate a estrangeirismos perfeitamente desnecessários que conspurcam realmente a nossa língua. Ultimamente tem sido uma avalanche de “ratings” que até enjoa. Parece que ninguém sabe dizer “notação financeira”. Isso sim, choca-me.

Anónimo disse...

«Enxugo» podia perfeitamente «cobrir» todas as técnicas de todas as áreas, e, se não cobre, é porque ao princípio se procedeu com ele como agora se está a fazer com ratings e quejandos. E, se hoje se continuar a fazer com ratings e quejandos o que outrora se fez com «drenagem», daqui a uns anos quem respingar contra «ratings» e que tais prepare-se para encaixar a mesma censura que o anónimo acaba de fazer a quem se atreve — só — a lembrar a voz lídima que podia ter levado a palma à franduleira que a desbancou.
De uma coisa pode o Lusíada, coitado, ter a certeza: não precisa de ajudar o barbarismo a vingar nesta terra, onde nasce quase de geração espontânea e pega logo de estaca.
— Montexto

Anónimo disse...

Curiosidade: acabei de ler em linha nas Lições de Linguagem do Sr. Cândido de Figueiredo, de José Leite de Vasconcelos, que em 1889 o brasileiro Castro Lopes queria que em vez de «drainage» se dissesse «haurinxugo» (se deletreei bem). Que pena o homem não ter lido o Archivo Rural!
— Montexto