11.4.11

Sobre «pedofilia»

Tome um lenço, vá

      Por vezes, ouço o Jogo da Língua, na Antena 1, ultimamente com a participação de Sandra Duarte Tavares, professora de Língua Portuguesa no Instituto Superior de Educação e Ciências (ISEC) e consultora do Ciberdúvidas. Dirigido ao ouvinte comum, com escassos conhecimentos linguísticos, umas vezes com erros, quase sempre com inanidades, o programinha lá vai dando a conhecer um pouco melhor a língua. A emissão de hoje era sobre o elemento de composição filo-. «Vou falar só… vou terminar, fazer um remate com uma palavra que eu detesto, e que possivelmente a maiori… toda a gente detesta, que é o substantivo “pedofilia” ou “pedófilo”, são ambos substantivos, e que o seu… cujo significado original era “amigo da criança”. [...] Convém esclarecer também, acerca desta palavra, que nós não gostamos.»
      Tanta emoção e tanta confusão... Pois eu gosto das palavras «pedofilia» e «pedófilo», são eruditismos que honram a matriz da língua.

[Post 4677]

9 comentários:

Bic Laranja disse...

Pode ser. Mas a semântica moderna é uma (como se diz agora?) desconstrução...
Cumpts.

Anónimo disse...

O vulgo profano e muitos mais ou menos iniciados, pelos modos, confundem as palavras com o seu significado (os da glote têm lá um jeito muito seu e científico de dizer isto). Lembrai-vos da tal crónica «Dizer Asneiras», do cínico Alberto Gonçalves, em linha.
— Montexto

Anónimo disse...

Isso sempre me lembra aquelas perguntinhas de questionários, em geral feitos por e para adolescentes, sobre qual a "palavra preferida" das pessoas. Não são poucos os que dizem amor, saudade, paz e pieguices quejandas, justamente como disse o Montexto. Depois ainda me acham psicopata se lhes digo "têmpora" ou outra esdrúxula sonora aleatória.

Paulo Araujo disse...

É a chamada especialização do sentido.

Paulo Araujo disse...

A especialização de sentido nessa palavra foi, de fato, uma pena; para o sentido 'moderno' de pedofilia poderiam ter escolhido 'pedomania', por analogia a 'erotomania'.

Anónimo disse...

O Helder usou o termo "inanidade" no texto, palavra que até hoje desconhecia. Depois de consultar o dicionário, persiste uma dúvida: "inane" pode ser aplicado a uma pessoa? Por exemplo: "Fulano é um inane"?

Agradeço antecipadamente ao Helder ou a quem queira ajudar-me.

Paulo Araujo disse...

Ao último Anónimo:
Sua questão é bem interessante; descobri no Aurélio uma abonação (Manuel Bandeira) que indica seu uso associado a pessoa:
"inane[Do lat. inane.] Adjetivo de dois gêneros. 1. Vazio, oco: “As características dominantes em vários desses professores eram a palavra copiosa, .... o intumescimento inane da ideia” (Homero Pires, Junqueira Freire, p. 192).2. Fútil, frívolo, vão.3. P. us. Inanido: “Um dia a Virgem desconhecida / Da velha torre quadrangular / Morreu inane, desfalecida” (Manuel Bandeira, Estrela da Vida Inteira, pp. 70-71)."
Na acepção não pessoal, lembro do famoso soneto de Olavo Bilac, "Inania verba"; era seu costume criar os títulos em latim.

Anónimo disse...

Nenhuma dúvida sobre isso. Inane tanto pode referir-se a inanidade (vazio, futilidade) como a inanição (debilidade por falta de alimento), e foi neste sentido de inane que a virgem desconhecida se finou, devolvida também por falta de uso.
Até no Dic. da Acad. das Ciênc. de LX, 2001: «Inane: P. Us. Que está muito cansado ou enfraquecido por falta de alimento; que está em estado de inanição.»
Inane, inanido, inanir («deixar ou ficar em estado de enfraquecimento, de inanição, por falta de alimento», op. cit.).

*

Mas verifico que inane e inanidade não constam no Bluteau & Morais e associados aqui ao lado. Oh dicionários! Nenhum suficiente, por mais autorizado e exaustivo que seja, todos necessários, por mais compendiosos que se apresentem.

*

Mas verifico só agora que Luís Maria da Silva Pinto, aqui ao lado, se antecipou ao honesto Antenor Nascentes, e já em 1832 intitulou o seu Dicionário da Língua Brasileira.
As Américas hão-de-se ter desentranhado em línguas: ele é a brasileira, a argentina, a colombiana, a peruana, a paraguaia, a chilena, a venezuelana, a equatoriana, etc., etc., sem olvidar a hondurenha, a mexicana, a camone, a canadiana, a quebequense, «et j’en passe, et des meilleurs».
— Montexto

Paulo Araujo disse...

O "Diccionario da Lingua Brasileira", de Silva Pinto, foi o tema do meu trabalho final de pós-graduação, o qual transformei em ensaio (ponho-o à disposição de quem quiser conhecer essa estranha decisão do 'autor'). Não atino para a razão de ele ter posto esse título, porquanto a tal obra é um plágio ipsis litteris do "Novo Diccionario da Lingua Portuguesa", obra sem autor, editada em Lisboa por Francisco Roland, em 1808, e com reedições em 1817 e 1835. Agora que ele, Silva Pinto, está na internet, procurem por qualquer verbete, aleatoriamente, e comparem-no com o do original; a BNP tem em seu acervo (a versão digitalizada pelo Google, copiada do original existente na Taylor Library, foi retirada, talvez pelos problemas sobre direitos autorais por que o estão questionando).
Quanto à "língua brasileira", tema desenvolvido por José de Alencar e ainda debatido por Monteiro Lobato, hoje é tão sepultado que poucos sabem que existiu; nem os linguistas ferrenhos ousam dizer que essa 'língua' existe.
Silva Pinto envergonha a lexicografia brasileira.
O primeiro dicionário geral, verdadeiramente brasileiro, só apareceu em 1938 (!) e é a origem do Aurélio de hoje.