Também tu
«Acontece que a assinatura Kindle do FT, para além de não ter contrapartida impressa, em papel cor-de-rosa e bem ilustrado, só nos deixa as últimas sete edições no disco. Depois, somem. As edições do FT são-nos emprestadas. Podemos guardá-las, se quisermos, mas dá trabalho. É como assinar um jornal e entregar-lhes a chave de casa para virem buscar os exemplares antigos. Poupa árvores e reconhece que a inércia da papelada é um vício que nos prejudica mais do que nos dá prazer» («Como assinar?», Miguel Esteves Cardoso, Público, 11.04.2010, p. 31).
Nem Miguel Esteves Cardoso evita estas perluxidades na escrita. Caro Miguel, alivie-se do para, basta escrever além de. «Acontece que a assinatura Kindle do FT, além de não ter contrapartida impressa, etc.»
[Post 4676]
8 comentários:
• «Alexandre Herculano era de uma insulsez além da permitida em escritor público. Os seus tipos burlescos no Monge de Cister, com as suas pilhérias do séc. XIV, são esparramados salobros até pruirem [sic] a indulgência mais patriótica» (Memórias de Camilo, extraídas das suas obras por Joaquim Ferreira, Editorial Domingos Barreira, Porto, 1965, p. 463).
• «O Matibejana, além de muitas coisas sem importância acerca da guerra, disse que quando os brancos foram a Incanine já ele tinha fugido e fora a Monjacaze chamado pelo Gungunhana» (Mouzinho de Albuquerque, A Prisão do Gungunhana, Angelus Novus, Editora, 2010, p. 14 – homem que sabia usar da pena, além de manejar a espada).
• «Incorrecto: “para além/disso” – Correcto: “além disso”, mas: “para além do Tejo”» (D’Silvas Filho, Prontuário, Texto Editores, 3. ª ed., p. 74).
• Eu diria, porém, que, até referida a espaço, caso em que se encontram exemplos, embora algo raros, em escritores de boa nota, como Camilo, se deve evitar a expressão «para além de», substituindo-a então por «para lá de».
• Expressões dignas de reparo, colhidas no Arco de Santana, de Garrett (Porto Editora, 1990), um arco verdadeiramente irisado com um nunca mais acabar de casos de linguagem:
— «tenho uns mancebos, meus particulares amigos e matalotes, que moram para Vale de Amores, guapos companheiros que estão à minha espera para irmos de além-Douro esperar as rolas bem cedo nos pinhais», cap. VI, 38;
— «foram-lhe acordar barqueiros que o passassem de além-Douro», cap. VII, 42;
— «em eras mais remotas a procissão passava, como a descrevi, dalém Douro, e ia à própria capelinha do santo», cap. XVII, 97.
— Montexto
Donde (lembrei-me agora) se colhe que a arquiconhecida obra de Nietzsche que, na versão da Guimarães, anda por aí intitulada de Para além do Bem e do Mal, e ultimamente de Para além de Bem e Mal, podia melhorar passando simplesmente a Além de Bem e Mal, ou, evitando-se o eco em, em, Para lá de Bem e Mal, ou, mas de novo com o eco, Mais além de Bem e Mal.
— Mont.
O "para" é escusado, concordo. "Além" é uma palavra já de si tão poderosa (então no Alentejo), que o "para" é insultuoso.
Como sempre, sem excepção, o Helder mostra-me, todos os dias, que a minha ignorância da língua portuguesa é real - mas tem remédio.
Quem aprende é quem deve agradecer. Envergonha-me enganar-me tantas vezes - mas a alegria de aprender é mil vezes mais forte.
Obrigado e um abraço amigo,
Miguel
«Ao contrário de Dona Elaine, que despreza com uma ligeira sobranceria (que nunca toca os limites da antipatia) tudo o que fica para lá da sua geografia e do seu sotaque, os portugueses apreciam muito a “união ibérica” e quase metade deles gostaria de ser uma “autonomia espanhola”, segundo dizem os jornais. Este desejo é antigo, tanto como o seu contrário, e emerge periodicamente ou da nossa vastíssima capacidade de desistir ou da incapacidade de observar as coisas de longe.
O velho Doutor Homem, meu pai, era um amante das coisas de Espanha e, ao contrário de Dona Elaine, admitia a existência real do país vizinho. Visitava-a amiúde, ou – antes da Guerra – para nos levar em passeio para lá da Península, ou, mais tarde, na sua idade madura, para mudar episodicamente de culinária e de cheiro de tabaco» (António Sousa Homem, crónica de 10.04.2011, em linha).
Temos Homem.
— Mont.
Mais giros do «além», ou chovendo no molhado:
• passou além de Santarém
• condenar com vontade, é passar além de justo, dar sem vontade, é ficar aquém de liberal (Vieira)
• os bracarenses que, em 1687, contavam de setenta anos além (Camilo)
• a sua família data de além da fundação do reino
• era despesa além das suas posses
• da boa morte, além de ser fim dos males temporais, nasce o princípio das felicidades da eterna vida (Ant.º das Chagas)
• além de que a felicidade, como história, escreve-se em poucas linhas (Camilo)
• levantou-se o Sol nos aléns da planície (Manuel Ribeiro)
• muitos aléns que o amor costuma passar para se chegar a unir (Ant.º das Chagas)
Etc., etc., todos tirados da infalível, em «Além», mas nenhum «para além».
— Mont.
«João Leal Pereira ganhou um concurso em que o objetivo era desenhar sardinhas que possam ser símbolos das Festas de Lisboa. São 15 as sardinhas, mas a deste estudante de ‘design’ merece distinção. Porquê? Porque escolhe elementos da literatura como marcas da cidade. Para além do fado e de uma ou outra presença (nem sempre louvável) na pintura, é a literatura que de forma mais duradoura fixou Lisboa»: crónica de Francisco José Viegas, 13.04.2011, em linha.
Já tinha reparado que a coisa lhe saía melhor na pena do nosso Homem, o velhíssimo.
E já não me refiro à «forma mais», porque sofrer até «não pode o Gama mais».
— Montexto
Mais um como tantos ou quase todos:
«Sexta-feira, 15 de Abril de 2011
Claras como água estagnada
Para além dos exemplos anteriores (1, 2 e 3), Álvaro Santos Pereira dá outro exemplo da opacidade das contas públicas» (Miguel Noronha, blogue «O Cachimbo de Magritte).
— Mont.
Mais outro como tantos:
«Entrementes, para além do êxito literário, aconteceu-lhe ter casado, e posteriormente enviuvado de dois homens que, um no jornalismo, o outro na política, eram na sociedade holandesa figuras de algum relevo»: Rentes de Carvalho, blogue «Tempo Contado», 29.04.2011
- Mont.
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