Cantemos
Todos os cruzadistas sabem, com a frequência com que surge nos problemas que resolvem, qual o «antigo nome da letra dó». Até eu, que não sou cruzadista, sei a resposta de cor: ut. Esta era a primeira palavra do hino a S. João Baptista, a partir do qual o monge beneditino Guido d’Arezzo (990-1050) construiu a escala musical. Guido d’Arezzo verificou que na primeira estrofe, com sete versos, cada uma das sílabas iniciais subia um grau na escala em relação à primeira sílaba do verso anterior. Assim, reflectiu que toda a gente que soubesse esse cântico saberia logo de que nota se tratava. A nota si apenas foi acrescentada no princípio do século XVII, a partir das iniciais de Sanctae Ioannes, que está aqui no vocativo. Eis a primeira estrofe desse hino:
Ut queant laxis
Resonare fibris
Mira gestorum
Famuli tuorum
Solve polluti
Labii reatum
Sancte Ioannes.
Resonare fibris
Mira gestorum
Famuli tuorum
Solve polluti
Labii reatum
Sancte Ioannes.
Uma tradução livre — o padre António Carmo, meu saudoso professor de Latim e tão excelente como desconhecido poeta, não iria achar completamente mal empregadas as horas que despendeu comigo a ensinar-me a traduzir as fábulas de Esopo, o De Bello Gallico, as Metamorfoses… — poderia ser a seguinte: «Para que os teus servos possam, a plena voz, celebrar tuas acções maravilhosas, purifica nossos lábios conspurcados, ó São João.»