5.4.06

«Glubit» catuliano

Lésbia, a Nonária

      Há dias, os meus colegas franceses do Le Monde estava enfronhados na magna questão de saber se o glubit de Catulo era uma operação manual ou oral. Explico melhor: numa composição, este poeta latino usa a forma verbal «glubit» para descrever um acto sexual que hoje não sabemos qual seja. Há, naturalmente, muitas traduções, em várias línguas, mas umas vão para o calão mais puro, outras para formas eufemísticas ou metafóricas. Vejamos o original (Catulo, Carmen LVIII):

Caeli, Lesbia nostra, Lesbia illa
illa Lesbia, quam Catullus unam
plus quam se atque suos amauit omnes
nunc in quadriviis et angiportis
glubit magnanimi Remi nepotes.


      Percebe-se que a desavergonhada da Lésbia não era nenhuma Heidi Fleiss, já que andava por in quadriviis e angiportis, ou seja, às claras e pela cidade, a satisfazer a luxúria dos decadentes e promíscuos romanos. De facto
Célio, a minha Lésbia, a Lésbia aquela
Aquela Lésbia, a quem só Catulo
Amou mais que a si mesmo e a todos os seus
Agora nas esquinas e nas vielas
Desnuda os netos do magnânimo Remo.

      «Desnuda» digo eu, mas eu não sou latinista (ou não quero beliscar a pudicícia dos meus leitores?). Esta é uma forma metafórica de traduzir o «glubit» (de glubo, is, ere, psi, ptum), que significava na linguagem comum «tirar a casca de uma árvore», «desfolhar». A maioria dos tradutores crê, contudo, que se trata de uma obscenidade. Claro que desta última acepção facilmente passamos para a de «descobrir», «arregaçar», e está tudo dito. Em calão temos as expressões «debulhar a espiga» e «esgaçar o pessegueiro», de bom sabor telúrico, para designar esse acto sexual. Alguns franceses, imaginosos, quiseram ver ali um verbo onomatopaico (influenciados, confessadamente, pela banda desenhada), o som de algo a sair de uma vagem, de uma bainha… com um som algo molhado. Quem sabe? O certo é que sem recorrer ao calão o poema é muito sugestivo da actividade de Lésbia.

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