Um país, três línguas?
«Flores e velas relembram acidente nuclear de Tchernobil», Público, 27.4.2006, p. 26.
«Cancros de Chernobyl estudados em Portugal», Diário de Notícias, 26.4.2006, p. 14.
«Filhos de Chernobil», Expresso/Única, 22.4.2006, p. 45.
Parece, contudo, que não devia ser nada disto, mas Chornobyl, transcrito do vocábulo ucraniano Чорнобиль, com a ajuda da tabela de transliteração do alfabeto cirílico, acima. Seja como for, eu escrevo sempre «Chernobyl», embora não me repugnasse, naturalmente, escrever «Chernobil», por razões óbvias. Nunca escreveria, contudo, como faz o Público, «Tchernobil». E porquê, pergunta? É verdade que a primeira consoante é africada (1) (a mãe da minha sogra, beirã nascida em 1890, dizia convictamente «tchave»), mas que não tem actualmente representação gráfica nem linguística na nossa língua (2). O mais provável é o Público estar a seguir, como também faz em relação a «Tchetchénia», cegamente a transliteração francesa (3): «Le bilan de Tchernobyl s’alourdit en Europe», Le Figaro, 21.4.2006.
(1) Diz-se da consoante oclusiva de oclusão imperfeita.
(2) É de Paul Teyssier a afirmação (que não consigo localizar: será do Manual de Língua Portuguesa, da Coimbra Editora? Fica a dúvida) de que em galego-português e em leonês ocidental a consoante inicial seguida de l palatal deu origem à africada [ts], que foi transcrita em galego-português por ch, donde, por exemplo, chaga ([tsaga]), chave ([tsave]) e chama ([tsama]).
(3) Num site inglês, vejo (e traduzo): «CHERNOBYL, ver CZARNOBYL. Pequena cidade junto do rio Pripet, na Ucrânia, a 20 verstás [medida itinerária russa equivalente a 1067 metros] da confluência do Dnieper e a 120 de Kiev […].» A segunda forma pretende representar a africada, que nós não temos.
Blogue sobre a língua portuguesa, com ocasionais reflexões e incursões noutras áreas, porque afinal a língua cobre toda a realidade. Com marcado sentido pedagógico, sem abdicar do necessário humor.
1.5.06
Ortografia: Chernobyl?
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7 comentários:
muito interessante!
De acordo com os meus conhecimentos de russo, julgo que o Público tem razão. No alfabeto cirílico temos as letras "che" e "tché". Assim, fazendo a transposição da fonética ucraniana (russa), deve-se escrever Tchernobil.
Bem, que a partir do alfabeto cirílico é assim consegui eu descortinar, sem saber russo. O cerne da questão, porém, é que essa sequência sónica — e gráfica — inicial não deve existir em português. De qualquer modo, obrigado pelo seu contributo.
Uma pergunta, à margem de "um país três línguas": Sabe se a "base analítica XLV do Acordo Ortográfico de 1945 desapareceu da ortografia portuguesa? Se desapareceu, quem a revogou? Quando? É que no corrente Concurso Nacional da Língua Portuguesa, iniciativa do Expresso, se ceclara que não se considera erro escrever Presidente da República, quando a referida base exige presidente, com minúscula. Obrigado.
Não, não foi revogado. Não ligue.
Não ligue? Então a um linguísta é indiferente o respeito da ortografia portuguesa? Como professor, eu vou dizer aos meus alunos "não ligues", quando nos jornais se escreve, sem critério nem lei "Presidente da Républica" em vez de presidente..., "senhor embaixador" em vez de "Senhor Embaixador" ( Acordo Ortográfico
de 1945).etc
É admissível que uma pomposa "Comissão técnico-científica" de doutos e doutores da Língua Portuguesa, diga que um erro não é um erro? Obrigado.
É uma maneira de dizer. Claro que deve ensinar correctamente os seus alunos, é para isso que é pago.
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