20.11.06

O regresso do latim

Órfãos da língua

Não conhecer um pouco que seja de latim é como estimarmos muito o nosso nome mas não querermos saber quem foram os nossos avós. Podíamos pensar que o erro colossal que foi tirar o Latim do currículo do ensino secundário em Portugal ainda foi uma consequência de esta língua ter perdido importância no seio da Igreja Católica, após o Concílio Vaticano II. (A propósito, deve dizer-se que os textos conciliares não decretaram, como muitas vezes se afirma, que se não usasse o latim na Igreja. Na verdade, o que se pode ler naqueles textos é: «Linguae latinae usus, salvo particulari iure, in Ritibus latinis servetur»*, Sacrosanctum Concilium, 36,1.) Na Igreja, o latim caiu em desuso, pela valorização que se deu às línguas vernáculas; no ensino em Portugal, foi escorraçado como coisa inútil. O certo é que, noutros países europeus, o latim se manteve nos currículos escolares e é considerado nuclear, mesmo na Grã-Bretanha, em que a influência do latim no inglês é incomparavelmente menor do que a que teve nas chamadas línguas novilatinas. Talvez com a reintrodução, embora condicionada, do latim na missa o Governo português, e em especial o Ministério da Educação, abra os olhos e reponha o estudo desta língua nos currículos, reparando um erro que tão nefastas consequências tem tido para todo o ensino.
Termino citando um magnífico texto de Jorge Silva Melo («E sem latim?», Mil Folhas/Público, 17.11.2006, p. 5) sobre o mesmo assunto: «“Não se pode viver sem Rosselini!”, berrava nas ruas o cineclubista apaixonado de Bertolucci. E sem latim, podemos?
Podemos ignorar o carrilhão que nos atropela a conversa, passar incólume ao lado dos fundamentos daquilo que pensamos, seguir o nosso caminho sem ver as pedras que os romanos (os escravos dos romanos, claro) transportaram, podemos ignorar tudo o que nos fez viver assim, bastardos, neste eterno presente nascido esta manhã na revista do dia? Podemos viver sem latim?»


*«O uso da língua latina, salvo direitos particulares, seja conservado nos ritos latinos.»

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