21.12.06

Filme

20,13

Fui à ante-estreia do filme 20,13, de Joaquim Leitão. Embora se passe num cenário de guerra, no Norte de Moçambique, na véspera de Natal de 1969, o cerne da história tem muito mais que ver com amor, ciúmes e conflitos de natureza humana. Os efeitos especiais estão muito bem conseguidos, semelhantes ao que de melhor vemos em filmes estrangeiros. Não me escapou, na ficha técnica, que se devem a um estrangeiro
Cada espectador, suponho, estará preparado para dar atenção a diferentes pormenores. No meu caso, tocou-me especialmente a cena em que um soldado fica eufórico no momento de receber uma carta, isolando-se para a ler. Na verdade, vemo-lo pelos olhos do capelão e do alferes, o soldado não sabe ler, limita-se a olhar para a carta. (Segundo o censo de 1970, convém lembrar, 31% das mulheres portuguesas não sabiam ler nem escrever, e 19,7% dos homens eram analfabetos. Mesmo actualmente, temos quase um milhão de analfabetos!) É um retrato do Portugal dos anos 60 e da fungibilidade humana em períodos de guerra: todos servem e todos são dispensáveis, e o dever sobrepõe-se (mas o filme também mostra até que ponto os princípios podem permanecer intactos mesmo nestas circunstâncias) a tudo o mais.
Curiosamente, é o conhecimento da Bíblia que ajuda a resolver os dois homicídios que ocorrem. O título, já todos sabem, refere-se ao Levítico, 20,13, um dos muitos passos bíblicos que condenam a homossexualidade, que diz: «Se um homem coabitar sexualmente com um varão, cometeram ambos um acto abominável; serão os dois punidos com a morte; o seu sangue cairá sobre eles» (Levítico, 20,13). Na versão da Vulgata: «Qui dormierit cum masculo coitu femineo, uterque operatus est nefas: morte moriantur: sit sanguis eorum super eos.» Na verdade, é referido outro versículo bíblico, Génesis, 19,24: «Então, o Senhor fez cair do céu, sobre Sodoma e Gomorra, uma chuva de enxofre e de fogo, enviada pelo Senhor.» Na Vulgata: «Igitur Dominus pluit super Sodomam et Gomorrham sulphur et ignem a Domino de cælo.» Ambos os livros fazem parte do Pentateuco (em grego, «cinco rolos»), e a versão que usei foi a Bíblia dos Capuchinhos.
Algumas palavras, na confusão do ataque ao aquartelamento, da fuzilaria e da morteirada, não se percebem — o que vem, ironicamente, reforçar a sensação de verosimilhança das cenas. Suponho que num contexto real semelhante também não perceberia tudo o que se dissesse. Pode ser que Joaquim Leitão me mande o guião, para colmatar esta falha.
Em suma e numa palavra: recomendo.

1 comentário:

Anónimo disse...

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Leonor