1.12.06

«Valência»: uma nova acepção

Outros sentidos

Desde os últimos dicionários de língua portuguesa, uma nova acepção do vocábulo «valência» tem-se vindo a afirmar. Recentemente, começou a ver-se aplicada esta palavra em assuntos relacionados com os serviços de saúde hospitalares. Vejamos uma notícia de O Primeiro de Janeiro: «Outro projecto que o hospital está a planear executar a breve trecho refere-se à remodelação do Ambulatório em Clínicas de Patologia. No próximo ano já deverá ser possível realizar a Clínica da Mama e nos próximos reestruturar as restantes. Esta valência vai ficar localizada no espaço onde actualmente está o edifício dos Serviços Administrativos. Laranja Pontes adiantou que “a nova unidade de raiz será feita já com base nos pressupostos das clínicas de atendimento”» («Radioterapia perto da ruptura», Eduarda Vasconcelos). Ou esta, do boletim da Ordem dos Médicos: «O Serviço de Pediatria conta com uma Unidade de Neonatologia e com uma consulta de urgência diária sem agendamento. Tudo isto com o mesmo número de médicos de 1990, confessou o pediatra, que afirmou que o futuro desta valência no hospital está assegurado nos próximos 20 anos, graças em grande medida ao poder de atracção de internos, que são já nove. O mesmo serviço que em 1995 não tinha ainda idoneidade formativa.»
Nestes dois casos, que exprimem exactamente esta tendência, o vocábulo parece significar «especialidade médica organizada como serviço hospitalar; a própria especialidade». E, sem que nenhum dicionário o registe, vai singrando. Na notícia que cito de seguida, contudo, a mesma palavra parece ter outro significado. «O Museu do Louvre pretende abrir uma extensão em Abu Dhabi. Segundo revelou o ministro francês da educação [sic], Gilles de Robien, de visita ao Médio Oriente, uma delegação francesa vai apresentar esta semana às autoridades dos emirado um anteprojecto de acordo para a criação ali de uma valência do museu com sede em Paris» («Museu do Louvre vai ter valência em Abu Dhabi», Diário de Notícias, 20.11.2006, p. 34). Como se conclui pelo próprio texto da notícia, «valência» significa aqui «extensão», «filial».
Será sempre muito difícil acompanhar os novos usos de vocábulos existentes e a criação de vocábulos por parte dos falantes, isso já sabemos. Com os novos meios de que dispomos, porém, é inconcebível que uma entidade vocacionada para tal e à qual fossem atribuídas competências — seria, em princípio, a Academia das Ciências de Lisboa — não acompanhe a própria realidade. Sem remeter, naturalmente, a sua posição e o resultado do seu estudo para a edição em papel de um dicionário, sempre muito demorada e onerosa. Havendo dinheiros públicos para tantas coisas menos importantes, como é que o Governo não se interessa pela defesa da língua portuguesa?

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