8.2.07

Conjunção «apenas»

Ciberdúvidas corrigido


      Na passagem do antigo para o novo Ciberdúvidas, as perguntas arquivadas poderão ser as mesmas, mas as respostas são outras. Por exemplo, a uma pergunta sobre o uso da conjunção «apenas» em português (consulente Andreia Dutra, resposta em 7.4.2006), a resposta do antigo Ciberdúvidas, através do consultor R.G., foi: «A frase "Apenas cheguei a casa, telefonei-lhe" certamente poderá ter algum contexto em que seja possível [e, portanto, correcta]. Não me parece é que possa ser equivalente a "Assim que cheguei a casa, telefonei-lhe", "Logo que cheguei a casa, telefonei-lhe" ou "Mal cheguei a casa, telefonei-lhe", por exemplo.» No Ciberdúvidas renovado, a mesmíssima pergunta já recebeu (e só espero que a consulente ainda seja viva) estoutra resposta: «Pode, sim. Para além de advérbio com o significado de "somente; unicamente; exclusivamente" e "dificilmente; só; mal", apenas também pode ser uma conjunção precisamente com o significado que lhe atribuem os espanhóis na frase que nos é apresentada: "logo que; assim que; mal".»
      Gosto mais do novo Ciberdúvidas; pelo menos neste caso, a resposta é mais correcta. Aliás, o consultor poderia ter abonado a sua resposta com alguma frase de um autor português. José van den Besselaar, estudioso da obra do P. António Vieira e organizador de uma edição crítica e comentada da História do Futuro, escreve no opúsculo «Achegas para o estudo lexicológico da obra vieiriana»: «Apenas: Este advérbio emprega-se ainda hoje em dois sentidos diferentes: a) = “somente”; b) = “custosamente, dificilmente”. A segunda acepção é a original, sendo ainda de uso corrente em frases do tipo: “Apenas cheguei a casa, recebi um telegrama”, onde “apenas” tem o valor conjuncional de “logo que”. Registamos aqui quatro passos em que “apenas” tem o sentido de “custosamente, dificilmente” (cf. à peine, em Francês):
HF IX 307 [isto é, edição crítica de a História do Futuro, Capítulo IX, p. 307] “apenas se acha cousa que não seja contradição da verdade”; XII 1064 “apenas dão passo que não seja com o remo na mão”; X 58 “Cousa maravilhosa he, e que apenas se póde entender, como…”; XII 1035-1036 “[gente] que, por ser tão pouco conhecida e apenas nomeada nos escritores,…”»
      Talvez se possa tão-somente condenar, como a propósito do uso do substantivo «medidas» faz Vasco Botelho de Amaral na obra Subtilezas, Máculas e Dificuldades da Língua Portuguesa (edição da Revista de Portugal, Lisboa, 1946), o castelhanismo que a abusada repetição, nas traduções, constitui. A quem discordar só resta debater a questão com o imperador da língua portuguesa — em espírito ou em obra.


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