22.3.07

Apostila ao Ciberdúvidas: «explicitação»

Ora veja melhor

Vamos fazer uma vaquinha para oferecer um exemplar do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa ao consultor do Ciberdúvidas F. V. P. da Fonseca. Vejamos porquê. «Explicitude e explicitação não se encontram registadas», afirma ele, «embora se compreendam, visto parecerem bem formadas. Amplamento não há, mas amplitude tem como sinónimo parcial amplidão. Em latim há amplitudine (ablativo de amplitudo), mas attitudine é italiano, e completudine não me parece existir.» Em que dicionário é que «explicitação» não se encontra registada? Está tão bem formada que se encontra registada… No dicionário que acabei de referir, podemos ler: «explicitação s.f. acção de explicitar, de tornar explícito. ◘ Etim explicitar + -ção; ver cheg.» Mais cuidado não fazia mal a ninguém. Digo eu. F. V. P. da Fonseca vai ter de mudar de dicionário ou de método: nota-se que nem tudo está bem. Veja-se o «diminuitivo» (entretanto corrigido, para desgosto de quem pretendia ver ali um defensor de uma forma popular). Sim, eu sei: «ameacei» um leitor que poderia vir a defender esta forma — mas apenas no campo do que poderia ser, não do que é, não da ortografia oficial. De facto, na obra A Bem da Língua Portuguesa (Edição da «Revista de Portugal», Lisboa, 1943, p. 204), Vasco Botelho de Amaral escreveu: «Na pág. 117, opina o douto filólogo [Augusto Moreno, na obra Lições de Linguagem] que se não deve dizer constituitivo, diminuitivo. Discordo. Constitutivo e diminutivo provêm do latim. Mas constituitivo e diminuitivo formaram-se por analogia, não apenas com diminuir e constituir, senão também com retribuitivo, intuitivo, etc. E, havendo i em diminuição, constituição, etc., diminuir, constituir, etc., a derivação de diminuitivo, constituitivo, posto que não conforme ao latim, é lógica, pelo menos em português. Lógica e de uso corrente. De facto, quem diz ou escreve retribuitivo, intuitivo, contribuitivo, etc., não erra se disser ou escrever diminuitivo, constituitivo, etc.»
Só mais uma coisa: completudine existe e recomenda-se. Na licenciatura em Direito nas faculdades brasileiras há uma disciplina de Reda(c)ção e Expressão Forense, que devia também cá ser obrigatória, na qual se estudam os diversos argumentos: a contrario, a simili, a fortiori, a coherentia, e por aí fora. A um deles dá-se o nome de argumento a completudine. Trata-se de um procedimento discursivo segundo o qual, não se encontrando uma proposição jurídica que atribua uma qualificação jurídica qualquer a cada sujeito por referência a cada comportamento materialmente possível, se deve concluir pela existência e a aplicabilidade de uma disposição jurídica que atribui aos comportamentos não regulados de cada sujeito uma classificação normativa especial: ou sempre indiferente, ou sempre obrigatórios, ou sempre proibidos, ou sempre permitidos.

2 comentários:

Ricardo disse...

Tive já o prazer de entender em que medida esse consultor do Ciberdúvidas conhece os materiais com que trabalha: http://ciberduvidas.sapo.pt/pergunta.php?id=15942
[deve-se acrescentar às obras que referi o dicionário de Corominas, entretanto por mim consultado, que refuta a etimologia de F. V. P. da Fonseca, que, para desgosto meu, também tem dedo no Campeonato da Língua Portuguesa... o que poderá explicar muita coisa]

Helder Guégués disse...

Obrigado pelo seu valioso contributo.
Um abraço,
Helder Guégués