A par das interjeições, assunto já aqui tratado, a tradução das onomatopeias oferece igualmente algumas dificuldades. Desta vez, tratava-se da tradução — se se deve traduzir — de whoosh, que é a onomatopeia para ar a ser rasgado por objecto em velocidade. Dizia mais, o original: whoosh of flame. O tradutor optou, decerto depois de muito pensar, por «foguete de chama», que não me parece mal. Contudo, mesmo aqueles, como eu, que leram pouca banda desenhada, já alguma vez usaram um som semelhante para descrever um fluxo de fogo, uma seta a cortar o ar... Se tivéssemos de escrevê-lo, como o faríamos? «Uuuche!»? Parece mais para afugentar galinhas.
Algumas destas vozes imitativas já estão dicionarizadas, como ferrum-fum-fum, para os harpejos da viola, catrapus, para a queda de objectos ou pessoas, chape, ruído do que cai na água, pafe para o ruído de algo a cair, pumba, para uma pancada, rantamplã, para o som de um tambor, rufe-rufe, para o som produzido pelas polpas dos dedos ao raspar por uma superfície (pele de bombo, vidraça, etc.), ruge-ruge, para o rumor de saias que roçam pelo chão, rupe!, para o ruído do varrer, ramerrão, para um ruído sucessivo e monótono, tau, para um ruído seco como um tiro ou pancada, zás, para o ruído de uma queda ou pancada, etc. Deixo algumas — ou simples conjuntos de fonemas ou, como as que citei, palavras — usadas em obras de autores portugueses.
Catrapus.«Um turista suíço enrola-se num tapete persa e fica deitado ao comprido a fazer-se de morto, as meninas do colégio vinham correndo de narizitos no ar, catrapuz!, encalham no suíço atapetado de persa, estatela-se a primeira fila, depois a segunda, a terceira, assim sucessivamente», Mário Zambujal, Crónica dos Bons Malandros.
Dlom. «Desdobrou o lenço branco, limpou o suor, reparou que tinha a viola em posição de afinar, continuou: dlom, dlom…», José Marmelo e Silva, Adolescente Agrilhoado.
Pssst. «Pssst…», Mário Zambujal, Crónica dos Bons Malandros.
Rrrooommm. «E o rio, o ladrão, parece que se ouvia subir — rrrooommm! rrrooommm! — e a ameaçar as pessoas mesmo quase à porta das casas», José Marmelo e Silva, Adolescente Agrilhoado.
Splakshhh. «Deu um berro e um salto espavorido, com tanto azar que, na aterragem, os seus noventa quilos, concentrados no calcanhar que primeiro pousou no chão, desfizeram, com um splakshhh tétrico de cartilagens esmigalhadas, a cabeça do ofídio, que se esgueirara pacatamente da sua cesta redonda que tinha ficado mal fechada e da varanda, para se vir alapardar daquele lado da cama», Vasco Graça Moura, O Enigma de Zulmira.
Terrim. «O terrim da campainha, imperativo, ia-os acanhando», Tomaz de Figueiredo, Dicionário Falado.
Tlintlim. «Ouviu este tlintlim? É a bateria do meu telemóvel a dar o peido mestre», Mário Zambujal, Primeiro as Senhoras.
Truz. «Disse “vou já, é só um minuto, estou-me a vestir”, mas quem esperava do outro lado insistia, truz truz truz, por que diabo é que as mulheres se lembram sempre desta desculpa, deve ter pensado, pelo menos se se tratava de um homem», Jacinto Lucas Pires, Para Averiguar do seu Grau de Pureza.
Tuca-tuca-tuca e zás. «Os pais sentem sempre culpa nestas coisas, culpa que geralmente mascaram com zanga, do tipo, não te disse para não fazeres isso?, não te disse para não pores ali a mão?, não te disse para não ires sem mim? […] Tuca-tuca-tuca, areal fora no meu calçanito de favos (havia uns lindos nos anos sessenta), rum ao azul da maré baixa, dois ou três passos nas ondas tépidas e zás, uma dor lancinante» («O banho do pintainho», Fernanda Câncio, Diário de Notícias/Notícias Magazine, 13.4.2008, p. 12).
Zzzzzz. «Silvino envolve a mão num lenço de quadrados azuis, agarra a alavanca, dá uma mirada em redor, ninguém deste lado, ninguém daquele, puxa de leve, piram-se cinco abelhas a experimentar o voo, zzzzzzz, zzzzzzz, somem-se na direcção do Egipto, não tarda nada ouvem-se os primeiros gritos, gritos dilacerantes, de cortar o coração, e rebenta o cagaçal de pés em correria», Mário Zambujal, Crónica dos Bons Malandros.
2 comentários:
Este blogue continua, com muito gosto da nossa parte, a constar das "Ligações" na barra lateral do nosso blogue colectivo.
Um óptimo fim-de-semana para todos.
http://atribulacoeslocais2.blogspot.com/
E eu não sabia. Agradeço agora.
Cumprimentos,
Helder Guégués
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