18.2.08

Léxico: «maritorne»

Criada inglesa com crista

Minha senhora


Não, não, não: o vocábulo espanhol maritornes não tem de aparecer em itálico ou entre aspas num texto em português. Concedo: não estará o seu significado presente em nós como estará (estará?) na mente de um espanhol medianamente culto. Contudo, não é por esse padrão que se aferem as coisas. «Maritorne», regista o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenado por José Pedro Machado, é a «criada suja, reles, ordinária». Mais marcantes na cultura universal são, como bem sabemos, as personagens de Dom Quixote e Sancho Pança, com vocábulos derivados há muito usados e dicionarizados. Ainda assim, a personagem Maritornes faz parte do elenco e serviu igualmente como estereótipo. No DRAE, lê-se: «maritornes. f. coloq. Moza de servicio, ordinaria, fea y hombruna.»
Há um estudo de 2004 do Instituto de la Mujer, De mujeres y diccionarios. Evolución de lo femenino en la 22.ª edición del DRAE, da autoria de Eulàlia Lledó Cunill (coord.), M.ª Ángeles Calero Fdez e Esther Forgas Berdet, no qual se inventariam as palavras que neste dicionário se referem às mulheres. As autoras lamentam que as mulheres dedicadas a servir não saiam muito bem paradas, e concretamente em relação a maritornes, consideram que a coisa sai agravada pela «sarta de tres adjetivos a cual más cruel». (Realmente, a enfiada de adjectivos da definição espanhola é mais cruel do que a da definição portuguesa: ordinária, feia e marimacho.) Lá encontramos também atropellaplatos, a criada ou fregona desajeitada, mondonga, a criada rude, chopa, a criada, mas com um sentido depreciativo, etc.
Quando li a obra Bilhete de Identidade, de Maria Filomena Mónica, não pude deixar de reparar no facto de algumas criadas serem tratadas como gente inferior, destituída de inteligência, cuja existência apenas se compreende para satisfazer a comodidade dos patrões. Para a autora, os aspectos exteriores — inequivocamente marcas de um opróbrio, mas sem dúvida superficiais — eram mais significativos, pelo que afirma: «Em casa, andavam [as criadas] fardadas, embora sem exageros: não serviam à mesa de luvas, nem usavam “crista”» (p. 111).

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