12.6.09

O substantivo «ex»

Que fue y ha dejado de serlo


      «Não faltam nas livrarias exemplos de vinganças pessoais, apoiadas em “revelações” especulativas e assinadas por antigos mordomos, amantes traídas ou amigos desavindos, ávidos de um ajuste de conta que humilhe o ‘ex-’ na praça pública» («O lado negro do senhor cem milhões», José Mário Silva, Actual, 23.05.2009, p. 40).
      Caro José Mário: liberte o pobre ex das aspas e do hífen, coitado, não vê que ele é pequeno mas não precisa desses amparos? Costuma dizer-se, eu próprio já o disse, que a realidade vai muito à frente dos lexicógrafos. O que nunca se diz é que eles são aflitivamente conservadores, e por isso lentos a reagir. Há quanto tempo é que o prefixo «ex» passou a ser também, e de pleno direito, um substantivo? Também para os Brasileiros ex é, nesta acepção de ex-marido/namorado/companheiro, um substantivo. Como para os Espanhóis, já com acolhimento no Diccionario de la Real Academia Española (DRAE): «Persona que ha dejado de ser cónyuge o pareja sentimental de otra.» O que afirmei em relação a «ex» aplica-se, mutatis mutandis, a «vice», com a diferença de que este elemento se autonomizou há menos tempo.
      A consulta ao DRAE deixou-me a cismar. Não há dúvida de que, etimologicamente, «ex» provém da preposição latina ex. Em espanhol, contudo, «ex» não é, como em português, «prefixo que exprime a ideia de separação, extracção, afastamento e significa aquilo que alguém foi mas já não é, quando seguido de nome que indique estado ou profissão e esteja a ele ligado por hífen (ex-marido, ex-ministro)» (na formulação do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora), mas adjectivo. «Que fue y ha dejado de serlo. Ex ministro, ex marido.» (Já tinha pensado nisto, Fernando?) Somente quando exprime as ideias de «fora, mais afastado» ou a indicar privação (ou quando não acrescenta nenhum significado especial, como em «exclamar» ou «exornar», por exemplo) é que é prefixo.

Actualização em 25.07.2009

      Ainda não há novidades: «O número de vinganças conjugais tem crescido de tal forma que já é possível traçar preferências de actuação consoante o género: as mulheres ateiam fogo aos carros dos ‘ex’, “que é onde dói mais aos homens” e “os homens incendeiam as casas com que elas ficaram após as partilhas do divórcio ou onde vivem com o namorado”, diz a PJ» («PJ deteve 17 suspeitos de incêndios urbanos», Raquel Moleiro, Expresso, 25.07.2009, p. 15). Mas, na mesma edição deste jornal, lê-se: «Autarca de Caminha expulsou o seu ex-vice de reunião» («Só volta quem gosta da presidente», Ricardo Jorge Pinto, Expresso, 25.07.2009, p. 17).

3 comentários:

venancio disse...

O Houaiss (em cd-rom) tem o substantivo VICE, mas não o EX. Isto pode indicar - mas não impõe - uma anterioridade do primeiro.

É um pormenor. O post saiu interessantíssimo.

Despalavrando disse...

Há diferenças entre 'aspas únicas' e "aspas duplas"? E ainda, no caso citado, elas não tem também a função de destaque?

Helder Guégués disse...

Caro Venâncio,
Tem razão.

Despalavrando,
Devia haver, como já aqui o disse. A acreditar nessa função, para quê o hífen?