23.11.09

«Dupla ocultação»

Mais inglesias

      Um tradutor, Gonçalo Sousa Pinto, pergunta ao Ciberdúvidas se não deveria traduzir a expressão inglesa «double blind trial» por «ensaio clínico com dupla ocultação», em vez de traduzir como é habitual: «duplo cego» «duplamente cego», «de duplo-cego», «com duplo cego», etc. O consultor, Carlos Marinheiro, responde que o «Dicionário Eletrônico Houaiss regista o termo duplo-cego (da medicina), considerando-o redução de “método duplo-cego”; a comunidade científica desta área também o usa generalizadamente, de modo que não me parece que haja vantagem em chamar-lhe “ensaio clínico com dupla ocultação”. O termo está praticamente consagrado pelo uso.» Bem, o que vejo é que a comunidade científica também usa generalizadamente «dupla ocultação» — que o consulente afirma, e bem, que está menos colado ao original inglês. Assim, à locução ensaio clínico aleatorizado com dupla ocultação (que é utilizada aqui, por exemplo), aposto que o consultor prefere ensaio clínico randomizado de duplo-cego. O que posso afirmar é que é muito frequente ver nas traduções «dupla ocultação» para «double-blind». Apesar de tanta certeza, o consultor ignorou o último pedido do consulente: «Agradeço o vosso esclarecimento e também que me possam indicar alguma publicação ou site de referência em português para o léxico próprio dos ensaios clínicos e publicações científicas da área da saúde.» Talvez não tenhamos tal, mas temos textos de consultores científicos em que se usa a locução «dupla ocultação».

[Post 2831]

4 comentários:

RA disse...

Secundo a opinião de Helder Guégués! Usa-se muito, talvez até mais vezes, a «dupla ocultação» na literatura médica portuguesa, assim como na gíria médica. Aliás tenho ouvido, frequentemente, "corrigir" quem usa a expressão «duplamente cego».
Obrigado por corroborar - evitei o "suportar"! :)

Rui Oliveira disse...

Já traduzi inúmeros ensaios clínicos e utilizei sempre "dupla ocultação". Nunca nenhum cliente reclamou.

Freire de Andrade disse...

Trabalhei muitos anos na indústria farmacêutica e sempre ouvia o administrador meu superior falar em ensaios double-blind (tinha-se doutorado nos Estados Unidos), até que a minha mulher, que trabalhava comigo, descobriu a tradução correcta: "de dupla ocultação". Mais tarde dediquei-me à tradução de patentes e tive ocasião de usar essa expressão, que encontrei frequentemente na literatura especializada. Não gosto da expressão "duplamente cego". Ninguém é cego, há apenas ocultação de dados para preservar a independência dos resultados.

Gonçalo Sousa Pinto disse...

Bom dia a todos,

Quando procurava novamente a resposta à minha consulta ao Ciberdúvidas, encontrei um link para o vosso blog. Agradeço a todos o esclarecimento e a confirmação do meu argumento, inclusive com referências de apoio. Muitas das expressões utilizadas na gíria médica (e consagradas pelo uso) são frequentemente traduções literais e até mesmo aportuguesamentos de palavras inglesas. Ao serem utilizadas por pessoas que, na sua maioria, conhecem ambas as línguas, e por isso fazem a associação automática da palavra portuguesa ao significado em inglês, nunca se coloca a questão da falta de lógica intrínseca, de significado ou de coerência linguística de tais expressões "portuguesas". É como se nunca ninguém tivesse feito o exercício de pensar "Temos uma situação experimental em que nem o doente nem o médico sabem qual é o medicamento que o doente está a tomar para minimizar o efeito placebo e evitar os preconceitos. Como designaríamos em português essa situação?". Certamente não lhe chamaríamos "de duplo-cego". Por isso, surpreendeu-me (e não me convenceu) a resposta do Ciberdúvidas, mesmo referindo que o termo já se encontra no dicionário Houaiss.
Obrigado pelo vosso blog (e a um blog, como chamaríamos em português?...). Cumprimentos.
Gonçalo Sousa Pinto