10.12.09

«Severo», anglicismo semântico II

E com disenteria?


      Uma estudante, Mariana Ferreira, perguntou ao Ciberdúvidas «se é errado traduzir a palavra inglesa severe para severo, como termo médico. Disseram-me que a tradução correcta é grave, e não severo». O consultor, Carlos Rocha, depois de citar dois dicionários que registam a palavra «grave» como tradução, ainda acrescentou: «Parece-me que a consulente tem de estar atenta à própria expressão em português. A tradução correcta não depende apenas da correspondência palavra a palavra; também decorre da sensibilidade de encontrar as compatibilidades lexicais mais correntes na língua de chegada, aqui, o português. Assim, o que se lê em inglês, sem o adjectivo em questão, verte-se em português como “com mais sinais clínicos, incluindo desidratação”. Em seguida, escolhe-se o adjectivo mais adequado, que, neste caso, se me afigura ser grave: “com mais sinais clínicos graves, incluindo desidratação grave”.» Quase perfeito, mas o remate do texto é desconcertante: «Com desidratação, não é impossível usar severa: “desidratação severa”.» Ora essa! «Com desidratação não é impossível»! E se for com disenteria, já é? Deve ser avaliado casuisticamente, imagino que me dirá. A disenteria é uma doença grave. Numa viagem à Europa, o físico Oppenheimer adoeceu com disenteria, tendo ficado a convalescer durante um ano inteiro, o que o terá impedido, segundo alguns estudiosos, de ter tido um papel ainda maior no campo da Física. Talvez não, porque a disenteria é «an infection of the intestines marked by severe diarrhea». E se a disenteria não for severa, é-o a diarreia. Algo ou alguém tem de ser severo aqui. Posso ser eu: não diga disparates, senhor consultor. Mesmo de forma críptica.

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