13.12.09

Sobre «entorno»

Extravagâncias

      Pedro Sinde assina hoje no blogue Cadernos de Filosofia Extravagante um texto sobre ortografia. Um excerto: «Nem de propósito e a propósito do artigo mais recente de António Carlos Carvalho, ia eu hoje a passar numa livraria na baixa do Porto quando vejo um livro intitulado: “Casas em entornos naturais”. Voltei a olhar, pensando que lera mal o “em” por “en”, um erro de simpatia com a língua portuguesa perfeitamente justificável. Não. Era mesmo português porque estava escrito depois “naturais” e não “naturales”, como deveria ser se fosse castelhano.
      Na dúvida, perplexo, cheguei a casa e procurei nos meus dicionários: No Lello, o meu amado Lello, não existe nada a não ser derivados de “entornar”; no Dicionário da Academia (ouço já os apupos… não, eu não gastei um tostão com este “dicionário” — é assim que se auto-intitula esta coisa — foi uma generosa oferta): nada, a não ser o mesmo “entornar”. Em desespero, consulto um dicionário prestigiado de português do Brasil, o “Novo Dicionário Aurélio”: aí está! Num dicionário de português do Brasil existe a palavra “entorno”. Afinal não é castelhano, é “português”! Talvez seja apenas uma coincidência e se trate de um “castelhanismo” que existe no português do Brasil, mas não no de Portugal. O que é perfeitamente aceitável, naturalmente.»
      Se procurarmos nos corpora, «entorno», nesta acepção, tem uma presença pouquíssimo expressiva. Também o Dicionário Houaiss o regista, dando-o como «regressivo de entornar, por influência do espanhol entorno ‘território ou conjunto de acidentes ou paragens que rodeiam um lugar’». No caso, julgo estarmos perante uma extensão de sentido: todo o espaço, a área, que rodeia uma edificação. Os castelhanismos passaram, em diversas épocas, para o português — e poucas vezes temos perdido alguma coisa com o facto. Este é apenas um dos mais recentes, mas o que interessa é saber se nos faz falta. A minha opinião é que sim, e os Brasileiros apenas se nos anteciparam neste entendimento, como sempre. Pedro Sinde não diz isto, mas afirma que é «perfeitamente aceitável». No parágrafo que se segue é que nos desentendemos logo, pois faz uma afirmação que só posso qualificar como um disparate (e que apenas tem a atenuante de ser repetida por outros): «Esta palavra [«entorno»] não foi definida pelo acordo, mas muitas outras foram e, isso sim, é de todo inaceitável.» Mas que palavras é que foram «definidas» pelo Acordo Ortográfico de 1990? E o que é que é inaceitável: esta não ter sido ou o acordo ter «definido» outras? Desde quando um acordo ortográfico serve para esse fim?

[Post 2899]

2 comentários:

Paulo Araujo disse...

No Brasil, associamos o termo a Brasília, por ser essa a denominação que se dá para o conjunto das chamadas cidades-satélites; o Entorno de Brasília. A criação destas cidades foi a forma encontrada para preservar o núcleo central da cidade,o Plano-Piloto.

Helder Guégués disse...

Muito obrigado pelo seu contributo, caro Paulo Araujo.