10.2.10

«Aulas de alfabetização»

Pior que suicidar-se


      Caro Francisco: em relação a suicidar-se não sinto nenhuma estranheza. E não há-de ser porque também é assim, pronominal reflexo, noutras línguas neolatinas, mas porque as línguas não têm lógica e, no caso do português, não faltam redundâncias e ilogismos. Agora, estava aqui a rever um texto em que se podia ler: «A maioria das mulheres que chegam ao centro não sabem ler nem escrever. Recebem aulas de alfabetização, higiene e culinária, e aprendem a montar a e gerir um negócio, como costura, fabrico de sabão, criação de gado, jardinagem…» A alfabetização não é a acção de alfabetizar, isto é, e no sentido mais lato, ensinar a ler e a escrever? Se aquelas mulheres, que não sabem ler nem escrever, chegam ao centro, seja lá onde for, poderão assistir a aulas de alfabetização? Não se destinarão estas aulas apenas a quem já está alfabetizado, porventura futuros professores? Estão a ver a contradição? Contudo, a expressão é muitíssimo comum.

[Post 3121]

4 comentários:

Francisco disse...

Meu caro Helder,
Permita-me que discorde de si em dois pontos:
1º A minha dúvida em relação ao "suicidar-se" é apenas se estamos ou não (tal como os espanhóis, os franceses e os italianos, como muito bem diz) perante um pleonasmo.
2º Dizer "As línguas não têm lógica e, no caso do português, não faltam redundâncias e ilogismos" é, parece-me, uma contradição de termos. Onde não há lógica não há ilogismos. Ou não será assim? Aceitaria de bom grado a afirmação com um ligeiro matiz: As línguas nem sempre têm lógica. Ou: Nas línguas, nem tudo segue uma lógica.

Helder Guégués disse...

Permita-me discordar: o que afirmo é que à língua, como um todo, não preside a lógica. Ora, esta asserção não invalida que tenha, no seu seio, aqui e ali, segmentos lógicos, como é óbvio. Assim, podemos dizer com certeza que não é lógica nem permitida a expressão *descer para cima. Quanto ao verbo suicidar-se, pretendi dizer que vejo nele um pleonasmo assumido pela língua como sistema e, logo, não sinto qualquer estranheza.

Francisco disse...

Permito-me discordar da sua discordância. Mal de nós se à língua não presidisse a lógica. Exemplos como "descer para cima" só confirmam que a lógica preside, e bem, à formação e evolução das línguas. Só a lógica impede que se diga "descer para cima". Caso contrário, era o vale-tudo. Já assim é o que se vê! Bato-me pela lógica da língua como base indispensável à sua funcionalidade. Os pleonasmos não são necessariamente ilógicos. São antes um (muitas vezes desnecessário, pelos vistos nem sempre) reforço da lógica da língua. Não concorda?

Helder Guégués disse...

Talvez tenha razão.