19.4.10

«Bicha» e «fila»

Preconceitos


      «Obviamente que os Amigos do Facebook não são amigos-a-sério. Mas são-no em potência. São-no de certo modo, e no de certo modo é que está o ganho. Trata-se simplesmente de gente com quem trocar dois dedos de conversa na bicha para o pão» («As faces da fé», Rui Zink, Metro, 19.4.2010, p. 9).
      O revisor antibrasileiro, no último dia que estive com ele, também atribuiu a culpa de se usar fila em vez de bicha aos Brasileiros. João Carreira Bom discordaria.

[Post 3361]

8 comentários:

Venâncio disse...

Usar (continuar a usar) em Portugal «bicha do pão», «bicha do autocarro», e semelhantes, transformou-se num acto de resistência.

Pois resistamos. O idioma é de todos. A semântica é nacional.

Anónimo disse...

A reflexão de Carreira Bom pode substanciar até o preconceito tropical em reflexão que já me tinha assaltado quanto ao preconceito pretensamente bem de usar Presente como sinónimo do mais nacional Prenda

Tal como na bicha, a intervenção das tias também me parece de origem brasileira, embora não via novelas.

Como se piraram muitas para o Brasil em 1974 vieram de lá emprenhadas pelos ouvidos.

Roberto B. Benévolo disse...

No Brasil, bicha significa homossexual masculino.

Venâncio disse...

Ó agora acordado Benévolo,

Mas é exactamente por isso que toda esta destravada questão surgiu. Ainda não tinha reparado? Ou de que é que estávamos a falar?

Roberto B. Benévolo disse...

Prezado Venâncio:
Eu não estava dormindo,apenas sem entender a linguagem sibilina de que estavam a falar.
E continuo sem entender!

Venâncio disse...

Caro Roberto,

Até há uns anos (suponho que vinte, trinta no máximo), era comum, em Portugal, designarmos por bicha todo o tipo de fileira mais ou menos informe de pessoas, ficando fila para casos mais ordenados e menos humanos (carros, por exemplo).

Até que... Até que se foi difundindo a informação de que, no Brasil, ah!, com bicha se designava o homossexual masculino. E aí começaram as hesitações, os risinhos, as alergias, com cidadãos a corrigirem (!) os que continuavam a exprimir-se à portuguesa.

É um caso típico de inibição colectiva perante o modelo estrangeiro, automaticamente dominante, e condenatório do próprio.

De momento, entre nós, é rapariga o termo mais corrente para moça, e é puto (ou putos) um dos mais correntes para moço pequeno (ou moços pequenos).

Até que... Até que a dita inibição pateta também aí comece a fazer estragos.

Roberto B. Benévolo disse...

Prezado Venâncio:
Para animar o excelente blogue do HG, que merece ser muito mais comentado do que vem sendo.
Comecei a entender que estavam falando, embora em linguagem sibilina, sobre palavrões (ou tabuísmos, em forma mais elegante) que o são em Portugal e não o são no Brasil e vice-versa.
Antes de me referir a alguns outros que encontrei, acho interessante que, em Portugal, a simples passagem para o feminino torna a palavra em um palavrão, como é o caso do puto.
Oportuno salientar o que está escrito na Revista Língua Portuguesa (ano I, número 7 – 2006, p.43), sobre José de Alencar, importante escritor do romantismo brasileiro: “1854 - O feminino de cólera. Os jornais fluminenses alertam a população para a ameaça do cólera. No ‘Correio Mercantil’, Alencar zomba das autoridades por divergência menor: ‘Até foram bulir com a pobre gramática que estava bem sossegada, e chamaram-na a campo para decidir se o cólera-morbo era masculino ou feminino. Não me devo meter em semelhante questão; mas a falar a verdade, prescindindo da gramática, creio que aqueles que dão ao cólera o gênero feminino têm alguma razão; por isso que os maiores flagelos deste mundo, a guerra, a morte, a fome, a peste, a miséria, a doença, etc, são representados por mulheres.”
No Brasil, principalmente no Nordeste, periquita é vulva e em Portugal é marca de vinho.
Em Portugal, cu é bunda, sem ser tão ofensivo como ânus, no Brasil.
No Brasil, paneleiro conserta panelas e em Portugal é homossexual masculino passivo; a propósito, uma vez que fui a Lisboa, para satisfazer minha filha, desci no aeroporto calçando um tênis cor maravilha e fui paneleiro sem nem desconfiar.

Venâncio disse...

Caro Roberto,

Acho que gostará de verificar essas e bastantes outras divergências semânticas no Dicionário Contrastivo Luso-Brasileiro, de Mauro Villar (actualmente o "senhor" Dicionário Houaiss), Editora Guanabara (tenho exemplar de 1989), ou no Dicionário Lusitano Brasileiro, de Eno Teodoro Wanke e Roldão Simas Filho, Ediouro (tenho exemplar de 1991).

São leitura recomendável para quem, no Brasil, se interessa pelo nosso modelo de língua.

Recordo-me de um jornalista brasileiro que escrevia que brasileiros e portugueses falam, uns aos outros, pornografia com a maior inocência. Acontece com espanhóis e hispano-americanos, mas nós, os de idioma português, exageramos...