27.5.10

Léxico: «metatexto»

Quem percebe?


      Asdrúbal d’Aguiar lê e relê o ofício do juiz de instrução que ordenava que se realizasse a autópsia ao cadáver de Sidónio Pais. Algo lhe escapava. «Era o que, de facto, estava escrito no metatexto do ofício» (Mataram o Sidónio!, Francisco Moita Flores. Revisão de Ayala Monteiro. Lisboa: Casa das Letras, 2010, p. 136).
      De dicionários gerais, só o Dicionário Houaiss regista — e com o verbete a precisar de, pelo menos, mais uma acepção — o vocábulo «metatexto». No romance em apreço, o vocábulo apenas se pode referir a um elemento: a data. A chave do ofício encontrou-a Asdrúbal d’Aguiar na data: «Era a data, descobriu de repente: dezassete de Janeiro» (idem, ibidem, p. 136). A generalidade dos leitores vai ter dificuldade em interpretar o vocábulo. O conceito de metatexto foi definido pelo crítico literário e ensaísta francês Gérard Genette (n. 1930), representante da chamada «nova crítica» (nouvelle critique), como um texto, interno, externo ou misto, que fala ou instrui sobre outro texto.
      (Só um reparo: há agora esta mania de, nos romances, ser tudo escrito por extenso: datas, idades, medidas... Os numerais estão ameaçados de extinção. Se se tratasse de um revisor inexperiente, ainda compreendia.)

[Post 3507]

3 comentários:

Anna disse...

Não me parece que o entendimento do vocábulo possa ser assim tão problemático para a maioria dos leitores. Sendo que o prefixo "meta" remete para "algo que vai para além de" ou "algo sobre algo", facilmente se perceberá que se está a falar de algum texto (ou parte dele) que está relacionado com o assunto, que dá informações extra sobre o mesmo.
Fala-se em metafísica, metalinguagem, metadados, metamorfose, subentendendo-se esse sentido, portanto não me parece à partida um vocábulo passível de suscitar problemas.
Cumprimentos

Helder Guégués disse...

Os leitores não compreendem coisas muito mais simples.

Venâncio disse...

Pois é. Até os anos («mil novecentos e trinta e sete») aparecem por extenso em livros de ficção. Decerto para evitar um certo ar científico, que assustaria o leitor... Mas só autores «defensivos» se lembram disso.