12.6.10

Revisão

Uma grande aventura


      Estou a ler, porque me pediram, a obra Uma Aventura no Egipto, de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada. Tirei algumas notas, como é meu hábito. Vejamos. Os miúdos estão a ser perseguidos por ladrões egípcios, mas Chico resolveu a situação: «Escolhera como alvo as canelas dos inimigos e acertava-lhes em cheio com a ponta da picareta» (Uma Aventura no Egipto, Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada. Lisboa: Editorial Caminho, 4.ª ed., 2008, p. 175). Pouco depois, «os homens jaziam por terra agarrados às pernas que sangravam de um furo redondo» (idem, ibidem, p. 175). Deve ser reminiscência dos desenhos animados, este furo redondo causado por uma picaretada. Pouco depois, apareceu a polícia. «O arqueólogo, que já estava pálido, ficou branco como a cal. Não lhe bastava a experiência terrível porque acabara de passar, e ainda vinham agora dizer-lhe que os homens das escavações eram membros de uma quadrilha?» (idem, ibidem, pp. 176-77) «Por que acabara de passar», deveriam ter escrito, e, indo já na 4.ª edição, é imperdoável continuar ali o erro. Enquanto o chefe da polícia tenta esclarecer tudo, ao lado acontece qualquer coisa: «Quanto ao Gaspar, retido na cama por altos febrões, desatara aos vómitos e eles ouviam os arranques aflitivos» (idem, ibidem, p. 178). «Arranques» dir-se-ia do jipe da polícia. Ânsias são arrancos. Lá que seja um livro para miúdos, não implica que se tenha de escrever como os miúdos, mas por vezes acontece: «— A acusação é muito grave — afirmou Mike franzindo o sobrolho. — Portanto agradecia que obrigasse o prisioneiro a indicar o nome da pessoa e apresentar provas de que fala verdade» (idem, ibidem, p. 180). Prisioneiros, só de guerra. E de novo a linguagem onomatopaica dos desenhos animados: «— Sou uma estúpida! Uma idiota instável, uma inconsciente... Snif... Snif...» (idem, ibidem, p. 187). «— Eu sei, eu sei que não procedi bem, mas o efeito passa ao fim de umas horas... não me prendam! Mereço castigo, mas não quero ir para a cadeia. Arranjem outro castigo qualquer, buá!» (idem, ibidem, p. 191). Uma personagem patética causou um desmoronamento... ou terá sido uma avalancha? «— Tive a triste ideia de raspar nas rochas e sem querer provoquei um desmoronamento que vos entaipou no túnel dos nichos!» (idem, ibidem, p. 192). «— Enquanto uns me batiam, os outros foram lá abaixo e viram que não podiam passar para o túnel dos nichos por causa da avalancha» (idem, ibidem, p. 192). A pontuação também claudica: «As pessoas que se espalhavam pela rua, chegaram-se quanto puderam, alguns jornalistas tomavam notas por escrito, outros tentavam captar a conversa de gravador erguido porque aquelas notícias eram sensacionais e tinham muitas pontas por onde pegar» (idem, ibidem, p. 193). «O enigma que tinham tido tanto trabalho para decifrar, era apenas brincadeira de mau gosto de uma chanfrada?» (idem, ibidem, p. 194). E confunde-se substantivos com locuções: «Incluía-se na aventura sem-cerimónia, fazia-se íntimo, sobretudo de Rosalita, a quem procurava consolar do grande desgosto de amor com elogios e promessas» (idem, ibidem, p. 196). Confunde-se a interjeição ó, reservada para uma função de invocação, da interjeição oh, que, mesmo junto de um nome, traduz sempre surpresa, desejo, repugnância, tristeza, dor, repreensão: «— Ó Chico!» (idem, ibidem, p. 198). Cada um sabe de si, mas eu não usaria o açorianismo (termo desconhecido do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora!) «toleira» (e corrigia a pontuação e tirava as aspas de «inchado» e...): «De coração leve, conversavam, riam, diziam, toleiras, um pouco “inchados” ainda por causa da aventura e do sucesso, felizes por estarem ali, radiantes por poderem gozar mais uns dias de férias que forçosamente seriam excitantes, pois as propostas eram mais que muitas» (idem, ibidem, p. 199). E agora chega, que tenho de ir tomar o pequeno-almoço.

[Post 3571]

1 comentário:

aquelabruxa disse...

É por isso que até prefiro “experiência terrível pela qual acabara de passar”.