Fala-se da ausência do presidente da República nas cerimónias fúnebres de Saramago, e, abruptamente, isto: «O estilo ausente de pontuação, escrita ritmada como se fosse pensamento, nunca me maravilharam» («Todos os nomes menos Cavaco», Marta Rebelo, Diário de Notícias, 29.06.2010, p. 71).
Eu queria ter boa vontade e ver naquela «pontuação» um sentido restrito, mas nem os dicionários nem o uso mo permitem: pontuação é, e cito a definição do Dicionário Houaiss, «na língua escrita, sistema de sinais gráficos que indicam separação entre unidades significativas para tornar mais claros o texto e a frase, pausas, entonações, etc. (p. ex., ponto, vírgula, ponto e vírgula, ponto de interrogação, etc.)». Em Saramago não falta pontuação, e, descontando a heterodoxia, toda correcta, que dá gosto. Há quem diga, e isso eu vejo também, que é escrita ritmada como se fosse oralidade, não pensamento. E finalmente: só com grandes malabarismos nos arranjamos para justificar a forma verbal «maravilharam».
[Post 3644]
2 comentários:
Afirmações como a de Marta Rebelo e a popular "o Saramago não usa pontos finais" ou "o Saramago não usa vírgulas" são típicas de quem não leu realmente a obra do escritor.
Quanto ao "maravilharam", acho que é mesmo erro. Não deveria a concordância ser feita no singular?
Relativamente ao termo «entonação» usado pelo Dicionário Houaiss na definição de «pontuação», veja-se a entrada «entonação» no Priberam. Escassa, mesmo muito escassa...
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