18.8.10

Como se escreve nos jornais

Opiniões


      No início do blogue, afirmei que nunca iria ocupar-me de gralhas, o que mantenho. Com milhares de erros e questões linguísticas problemáticas, não me parece que tenha jamais de descer tanto. O intróito serve para prevenir que, embora alguém repute como gralha o que a seguir transcrevo, não o considero tal.
      «Vera Jardim, um militante histórico e um dos melhores ministros da Justiça que o País esteve, passa por ter uma “provecta idade” e, por isso, fazer opções “estranhas”» («O velho e o novo PS», Eduardo Dâmaso, Correio da Manhã, 17.08.2010, p. 2). Reparem que é o editorial, assinado pelo director adjunto.
      Já conhecíamos o verbo *tar da oralidade, mas num texto jornalístico não é menos que imperdoável. Os «meios aéreos» (que não defendi, e muito menos a estulta quantificação que lemos e ouvimos todos os dias), comparados com isto, não são nada que mereça perdermos a cabeça. Confundir teve (pretérito perfeito do indicativo do verbo ter) com esteve (pretérito perfeito do indicativo do verbo estar) é que me parece gravíssimo. E pergunto-me, naturalmente, se também neste jornal os revisores são prevenidos para não bulirem muito com os textos das chefias e colunistas. Nada de explícito, formal, apenas um aviso sussurrado por um colega mais velho — e sem espinha dorsal.

[Post 3793]

7 comentários:

R.A. disse...

No JL (n.º 1040, 11-24 de agosto de 2010, pág. 43), na coluna "O homem do leme", Manuel Halpern escreve: «Não é muito credível que houvesse para aí uma nave alienígena a espreitar e a NASA, nem nenhum sistema de controlo de tráfego aéreo, dê-se por isso, apenas o senhor Smith.»
Acha que é gralha?

Helder Guégués disse...

Não me parece gralha, não. E, de «de-se» que tivesse escrito, só por acção o corrector ortográfico passaria para «dê-se». Logo, erro. Daqui não se segue, parece-me, que Manuel Halpern não saiba a diferença entre «desse» e dê-se» (mas há quem não conheça estas e outras diferenças igualmente elementares), mas apenas que, no momento em que escreveu, teve oportunidade de corrigir e, talvez por desatenção, o não fez.

Anónimo disse...

Quanto ao "esteve", parece-me um caso de hipercorreção. Que lhe parece, caro Helder?

Helder Guégués disse...

Nisso pensei e quis escrevê-lo. De facto, como o erro mais comum é escrever «teve» (e este é correntio em jornalistas, que eu corrijo) por «esteve», por algum mecanismo mental, alguns jornalistas, e, enfim, quem escreve, pode passar tudo para «esteve».

Venâncio disse...

Apoio a ideia de hipercorrecção, a primeira que também me veio.

O medo de errar é muito criativo. Como todos os medos.

Jonh disse...

"O cenário de um governo a duodécimos não é novo. O Orçamento do Estado de 2010 só foi aprovado no final de Abril, o que significou que os ministérios estiveram durante quatro meses a funcionarem tendo em consideração as contas do ano anterior" - http://www.ionline.pt/interior/index.php?p=news-print&idNota=69219

Este trecho foi retirado da do site do jornal i. Esta expressão "o que significou que os ministérios estiveram durante quatro meses a funcionarem" está correcta? Onde está "funcionarem não deveria estar "funcionar"?

Hélder, pode-me explicar, por favor..

Anónimo disse...

É claro que devia estar «funcionar», e não «funcionarem», porque o verbo auxiliar «estiveram» já exprime o plural, e na frase não há ambiguidade que necessite o verbo principal no infinitivo pessoal a reforçar a ideia da pluralidade do sujeito «ministérios». A única explicação - mas não justificação suficiente neste caso - para o infinitivo ter sido flexionado estriba em se situar um pouco afastado do verbo auxiliar, com a inclusão entre ambos do complemento «durante quatro meses».
Sobre as regras da utilização do infinitivo consultar-se-á com proveito a insuperável «Sintaxe Portuguesa Histórica», de mestre Epifânio Dias. O busílis está em descobri-la: é tão rara como excelente. Haja algum benemérito que a edite de novo, que bem merece e bem necessária é!
- Montexto