15.8.10

Léxico: «lambra»

Era bom, era


      «O lume parecia que trazia o demónio. E botando línguas de 100 metros, daqui de cima, foi lançar-se lá em baixo. Se visse essas lambras... eram de deitar as mãos ao céu.» Parece uma personagem vicentina ou cervantina a falar. Se os nossos professores universitários e deputados escrevessem e falassem assim, estávamos bem. E quem se exprime assim? É uma moradora da aldeia de Bustarenga: «Carminda Guimarães descreve em tom exaltado, mas sem tirar o sorriso do rosto, os minutos de aflição que reduziram a escombros as duas casas onde guardavam as coisas da terra» («O lume que trouxe o diabo no corpo», Rita Carvalho, Diário de Notícias, 14.08.2010, p. 6). Não procurem a palavra mais saborosa do discurso no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, pois este dicionário não a regista. É com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa que ficamos a saber que lambra é «fome» em Trás-os-Montes e «labareda» na Beira. Confere, pois a aldeia de Bustarenga fica no concelho beirão de S. Pedro do Sul, na serra da Gralheira.

[Post 3785]

2 comentários:

Anónimo disse...

Ai era!
Mas é uma constante na vida portuguesa advertir em que muito do povinho se exprime com mais correcção e graça do que o escol ou putativo escol.
Assim já Afonso Lopes Vieira, cuido que no «Em demanda do Graal»: «Todos os que conhecemos a província sabemos que são os analfabetos quem melhor fala a nossa linguagem.» E, antes dele, Camilo, na nota de rodapé a «O Bem e o Mal»: «Eu leio muito pelo dicionário inéditos do povo destas províncias do Norte que sabe a língua portuguesa como Frei Luís de Sousa.»
Ultimamente todo o bicho-careta folga de citar o que Fernando Pessoa pôs na boca de Bernardo Soares: «A minha pátria é a língua portuguesa»; mas não seria mau que se lembrasse também disto do mesmo Lopes Vieira, que parece tirar a consequência daquilo: «Escrever mal em Português é trair a Pátria».
Porque, como explica o poeta, «Na língua própria possui ao mesmo tempo a melhor razão da sua glória no passado e a melhor razão da sua esperança no futuro! A liberdade de um escritor, que estraga, por querer ou não saber, a linguagem, considero-a miserável».
Por que será que de ordinário o povo fala claro, e os letrados baço? Há-de ser da educação.
Mas consta que os responsáveis por este estado de coisas acordaram agora, mormente no Brasil, para o valor da respectiva língua na afirmação dos povos na competição global que lavra como sucedâneo hodierno da velha guerra,. Grande perspicácia e previsão, a dos tais responsáveis, louvados sejam, que atinam a enxergar estas coisas quando já se lhes metem pelos olhos dentro, assim como pelos de toda a gente!

Anónimo disse...

«Os velhos das nossas aldeias exprimem-se no melhor e mais bonito português que já ouvi», atesta Joaquim Magalhães de Castro em entrevista à «Ler», de Setembro de 2010.
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