28.9.10

Crudelíssimo/cruelíssimo

Um Camilo corrigido


      Camilo escreveu «cruelíssimas», mas a revisora queria que fosse «crudelíssimas». «Estavam ambos suspensos, silenciosos, sublimes, e recopilando em um rápido pensamento uma síntese de dores cruelíssimas acordadas na reminiscência por aquele encontro» (Mistérios de Lisboa, Camilo Castelo Branco. Fixação de texto por Laura Arminda Bandeira Ferreira. Nota preliminar de Alexandre Cabral. Lisboa: Parceria A. M. Pereira, 10.ª ed., conforme a 5.ª, última revista pelo autor e em confronto com a 1.ª, 1969, pp. 235-36).
      (E vejo que o Flip 7 não reconhece o verbo, agora caído em desuso, recopilar.)

[Post 3917]

1 comentário:

Anónimo disse...

Nas obras de Camilo a língua portuguesa é a personagem principal. Corrigi-lo neste particular será, não impossível, mas dificílimo.
Vejamos o exemplo do emprego de «cruelíssimo» por «crudelíssimo», e do mesmo passo outros casos que tais, explicad0 por Mário Barreto nos «Fatos da Língua Portuguesa» (cap. VII), já por mim trazido à baila em anterior comentário: «Sabe-se que a palavras populares, i. é as que o povo foi elaborando de um modo inconsciente correspondem derivados literários. De um mesmo primitivo latino saem duplas famílias de vocábulos: uma, de formação popular, alterou, às vezes bem profundamente, a sua fisionomia latina, ao passo que a outra, de formação erudita, conservou essa fisionomia. O radical latino é o ponto de entroncamento desses termos que parecem afastados. Junto com os vocábulos da 1.ª formação "ouvir, ouvidor, ouvidoria" etc., se diz "audição, auditor, auditório, audiência, audível, inaudível", vocábulos todos de 2.ª formação, nos quais se respeita o "au" do tipo latino e se conserva o fonema "d" intervocálico, quando nas palavras portuguesas de origem popular uma explosiva dental cai entre duas vogais: "crudelem", cruel; "fidare", fiar; "foedus", feio. Nos superlativos temos exemplos de derivados duplos: um procedente do latim, e outro do português: um superlativo de origem popular, e outro que se mais aproxima da estrutura latina, chamado erudito. Os adjectivos afastaram-se do latim no positivo, mas ao latim tornam a encostar-se no superlativo, e assim ao lado da formação popular temos a formação sábia: pobre, pobríssimo e paupérrimo; frio, friíssimo e frigidíssimo; doce, docíssimo e dulcíssimo; cruel, cruelíssimo e crudelíssimo; fiel, fielíssimo e fidelíssimo; negro, negríssimo e nigérrimo; àspero, asperíssimo e aspérrimo; amigo, amiguíssimo e amicíssimo; antigo, antiguíssimo e antiquíssimo; nobre, nobríssimo e nobilíssimo.»
Donde por bom discurso se colige (como se fosse necessário!)que, também antes de emendar Camilo, deve a revisora, ou quem quer que seja, pensar duas vezes.
- Montexto