28.10.10

Tradução: «principal»

Nobres e principais


      «Holgó de hacerlo así el asistente, y, de allí a ocho días, acompañado de los más principales de la ciudad, se halló en ellas» — Cervantes. «E todos os principais dos lugares o saíam a receber com grandes festas e honras, concorrendo todos os povos a ver a nova vitória» — Fr. Gaspar da Cruz. Os principais são as pessoas importantes ou influentes de determinada localidade ou país. Principales é quase sempre traduzido por «nobres», mas, como se vê, escusadamente. Faço notar que Cervantes e Fr. Gaspar da Cruz são autores coevos. (O Flip 7 sugere que escreva «é autor coevo», isto porque o segmento depois do ponto de abreviatura em Fr. é lido como uma frase completa...)

[Post 4021]

5 comentários:

Anónimo disse...

Se bem me lembro e julgo, é também com esse sentido que se usa a palavra no final do «Levantado do Chão», aplicada ao dia 25 de Abril de 1974.
- Montexto

Venâncio disse...

Helder,

Um exame dos corpora mostra, sem sombra de dúvida, que o uso de principais como equivalente a principales (=importantes) é um castelhanismo. Inclusive em Gaspar da Cruz. Esse uso perdeu-se entretanto.

O emprego de nobres como termo correspondente parece-me perfeito.

Anónimo disse...

«PRINCIPAL, adj. que tem o primeiro lugar. § Da maior graduação. § Entre os mais, o que é mais digno de estimação. § Mais importante. § subst. O mais importante. § o principal, o capital, oposto ao juro. § os Principais da Cidade, i. e. os mais Nobres, os mais ricos, ou poderosos. Barros.»
Lê-se isto, além do mais, no «Dicionário da Língua Portuguesa», composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado e acrescentado por António de Morais Silva, Lisboa, Oficina de Simão Tadeu Ferreira, 1789, vol. II, obra que é uma das pedras-de-toque da língua.
Mas nem se faz mister recorrer a tamanha autoridade: qualquer português sofrivelmente lido nos seus clássicos conhecerá e terá no ouvido o eco dessa voz com o sentido dado no texto de Fr. Gaspar da Cruz.
Até o descaracterizado «Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea», da Academia das Ciências de Lisboa, 2001, não deixa de reconhecer: – «principal. adj. m. e f. 1. Que é o mais importante, considerado ou notável, pelo seu prestígio, pelo seu saber, pela sua riqueza, pela sua hierarquia...; que é o primeiro entre outros»; –«principal. s. m. 2. Us. pl. Pessoa mais importante pelo seu mérito, riqueza, hierarquia».
Donde por bom discurso se colherá que aquela acepção é português de lei, e que – parafraseando o bosquímano Xixo, grande mestre do hílare – os «corpora» devem estar loucos.

Venâncio disse...

Anónimo,

Ser um castelhanismo e tornar-se depois «português de lei» foi a coisa mais normal na História do Português.

Anónimo disse...

Castelhanismo, helenismo, latinismo, arabismo, hebraísmo, galicismo, anglicismo, etc., acontece com todos os peregrinismos, naturalmente. Só que este caso nunca o vi taxar de castelhanismo por nenhum autor até agora. E, ainda que o tivesse sido, desde que se tornou português lídimo, deixou de ser havido e sentido como estrangeirismo, nem merece tal nome. Ademais, esse uso não se perdeu, como o atestam os exemplos trazidos à baila, roborados por mais este do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo, Bertrand, 25.ª edição, datada de 1996: «subst. masc. A pessoa mais importante, magnate: Os principais da cidade».
Em suma, e sem lhe dar mais voltas, «principais» significou e continua a significar perfeitamente em português escoimado, o mesmo que «principales» em castelhano.
- Montexto