26.11.10

Gramática

Nada mudará


      «Então, lacrado o sobrescrito, e definitivamente, o afamado homem de Letras confiou-lho, depois de muito e muito recomendar que por nadíssima deste mundo o perdesse, porque seria uma pena» (Tiros de Espingarda, Tomaz de Figueiredo. Lisboa: Editorial Verbo, 1966, p. 213).
      Deviam as gramáticas mudar só porque um escritor (dez, cem) acrescenta o sufixo -íssimo a um substantivo em vez de a um adjectivo? De modo nenhum. Coisíssima nenhuma.

[Post 4128]

5 comentários:

Anónimo disse...

É uma das muitas possibilidades da língua. Cuido que era José Cardoso Pires que achava tanta graça à expressão «coisíssima nenhuma» que chegou a pensar em usá-la como título, ou coisa parecida.
- Montexto

Paulo Araujo disse...

Aqui se usa muito anunciar que alguém é candidatíssimo, quando o cargo a ser ocupado é de muito prestígio e cobiça.

Anónimo disse...

Não nos esqueçamos do grande Machado, também, quando nos brindou com "porque ela é um anjo, é um anjíssimo!".
Bem se vê como a prática é antiga, e só deixa mais evidente a dessintonia da gramática com a língua.

Anónimo disse...

Não é tanto que entre língua e gramática haja «dessintonia», como que uma coisa é a língua, e outra a gramática. Essa destrinça não escapou já a Quintiliano, segundo Mário Barreto: «Respeitemos a gramática, mas ainda mais a língua, e não nos esqueçamos daquela frase de ouro de Quintiliano: "Aliud est gramatice, aliud latine loqui"» («Fatos da Língua Portuguesa», cap. XVIII). A gramática serve ou deve servir para melhor se usar a língua. Citando de memória Vergílio Ferreira uma vez sem exemplo: «A gramática é a consciência da língua, como a filosofia é a consciência da realidade.»
- Montexto

Anónimo disse...

Ouçamos mais uma vez Mário Barreto sobre a relação entre lígua e gramática: «[A língua literária] há-de exercer contínua acção depuradora para assimilar os elementos de renovação e de conservação que oferece a linguagem popular, afastando as suas impurezas. A língua literária necessita da naturalidade e do colorido da vulgar, e esta, da disciplina literária. É por isso que não são para desprezar os serviços dos gramáticos, que se esforçam por expurgar, clarificar a língua, conservar as suas tradições, como quem lava e alimpa a pérola das imundícies que a mancharam. Entregue a si só, uma linguagem tende a deteriorar-se, a deccompor-se, a obscurecer-se sob a acção deletéria das leis fonéticas, das colisões homonímicas, da analogia: ela precisa de um tutor, de um guia, de uma língua literária em que se apoiar» («Através do Dicionário e da Gramática», p. 104).
- Montexto