«“Leste no Heraldo Europeu um artigo sobre os últimos impostores de Orenburg? Foi em 1834, irmão! Não gosto dessa revista, e o autor do artigo é conservador, mas a coisa é interessante e pode provocar ideias…”» (Solo Virgem, Turguiénev. Tradução de Manuel de Seabra. Lisboa: Editorial Futura, 1974, p. 84).
«Em Bagaúste, linha férrea do Douro, um pouco acima de Régua, no ponto fluvial onde se constrói agora uma barragem, acaba de nascer um jornalzinho para distracção de quem trabalha no empreendimento. Sabem como se chama? Herald de Bagaúste. É, pelo visto, um arauto. Mas, como arauto é nome português, atirou com ele ao rio, isto é, ao river. E ninguém se lhe atravessou. O cadáver do arauto deverá aparecer, qualquer dia, com a barriga inchada, a jusante de Bagaúste, perhaps at Régua» (A Língua Portuguesa, João de Araújo Correia. Lisboa: Editorial Verbo [s/d, mas de 1959], p. 66).
João de Araújo Correia só se esquece de dizer que heraldo — não herald, valha-me Deus! — é mais antigo na língua do que arauto, não é assim, Montexto?
[Post 4079]
7 comentários:
Estou que sim, Helder. Os próprios «Aulete» e «Aurélio» o taxam como «antiq.» por referência a «arauto». Para já, só estranho que Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo não o incluísse no seu «Elucidário»...
- Montexto
Montexto,
A ausência no Elucidário pode ser explicada... pela ausência na documentação.
O corpus de Geraldo da Cunha (até 1500) não contém heraldo. O de Davies/Ferreira só o cita no séc. XIX.
Donde sacaram o Aulete e o Aurélio esses heraldos tão antigos?
O Houaiss dá para 'heraldo'a data de 1567, na obra "Crónica do felicissimo rei D. Manuel composta por Damião de Góis", IV, p. 210; 'arauto' tem a datação 's.XV', conforme Ìndice do Vocabulário do Português Medieval, de Cunha, sendo a forma histórica 'harautes' de 1528. Portanto, 'heraldo' é mais recente, até onde está documentado.
Eles lá saberão, Venâncio. Mas, assim de repente e sem cavar muito, considerando étimo de «arauto» apontado pelos dicionários, dir-se-ia que «heraldo» lhe está mais próximo, o que inculcaria «arauto» como avatar mais evoluído e recente... Mas isto com todas as reservas e sujeito a caução máxima. Realmente, lá o frade tinha bom faro: dificilmente deixaria escapar a presa, digo eu...
Amanhã, havendo tempo, talvez passe pela biblioteca pública (a que tenho comigo é mínima).
- Montexto
Por acaso tenho essa crónica de Góis, mas não comigo. Como se vê pela pesquisa do Sr. Paulo Araújo, há rasto de «heraldo» desde o séc. XVI, e não só do séc. XIX, como se coligiria de Davies/Ferreira (oh «corpora»!).
Agora é só apurar se «heraldo» não constará de documento mais anoso do que o citado para «arauto» (que ainda não sabemos qual seja, excepto que datará do séc. XV).
É preciso profundar mais.
- Montexto
Caso ajude, o Vocabulário Histórico-Cronológico do Português Medieval, de Cunha, não o índice, apresenta as seguintes abonações para 'arauto':
"arauto
substantivo
Medieval: arauto
séc. XV, LOPJ, II.85.9
1 [...] hij nom auya emtom rey darmas nem outro arauto que o a nenguem desdisesse [...].
séc. XV, LOPF, 8.4
2 El-rrei dom Henrrique, veendo esta carta, rrecebeo bem o arauto e deu-lhe panos d'ouro e dobras [...].
séc. XV, COND, 26b36
3 E estando em eluas johã rroµz lhe enuiou seu arauto: pollo qual he enuiou dizer que o aguardasse [...].
_____________________________________
Medieval: arautos
séc. XV, REIX, II.189.28
1 [...] semdo elRey presemte, emtraram com padrynhos [...] e com arautos e pasauamtes e trombetas [...].
séc. XV, BENF, 290.25
2 [...] usando arautos, e Iogrates, largamente rrazoam em o que lhe derom".
LOPJ=Cronica do Rei D Joam I - Fernão Lopes;
LOPF=Cronica de Dom Fernando, idem;
COND=Cronica do Condestrabe de Portugal - 1526;
REIX=Cronica dos sete primeiros reis de Portugal-Carlos da Silva Tarouca, S.J.;
BENF=O Livro da Virtuosa Benfeitoria do Infante d Pedro.
«Grammatici certant.»
Os poucos livros que pude consultar divergem na origem apontada para «heraldo» e «arauto» : uns filiam-nos directamente no latim, outros no francês, alguns via frâncico.
No latim :
. «Grande Dicionário da Língua Portuguesa», de Cândido de Figueiredo, 25.ª edição: - «Arauto», do baixo latim «haraldus». - «Heraldo», do latim «heraldus». Ant. O mesmo que «arauto».
. «Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira»: - «Arauto», do baixo latim «heraltus», de origem germânica. Cargo introduzido em Portugal por D. Joao I, por influência inglesa. - «Heraldo», Ant. O mesmo que «arauto». Do latim medieval «heraldus», de prov. or. germânica.
No francês :
. «Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa», de José Pedro Machado: - «Arauto», do francês «héraut», do frâncico *«hariwald», chefe do exército. Séc. XV, e abona com um exemplo da «Crónica do Condestável», cap. 33, p. 81, já indicado pelo Sr. Pedro Araújo. - «Heraldo», do antigo francês «heralt», hoje «hèraut» [«sic»], talvez indirectamente.
. «Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa», do mesmo José Pedro Machado : «Heraldo», do francês «Hérard», com as variantes «Héraud», Hérault», etc., de origem germânica, «heri-, var. de «hari-», exército, e «hard», duro, forte.
. «Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa», 2.ª edição, 1986 : - «Arauto», do frâncico «heriald», pelo francês «hérault». - «Heraldo», Ant. «Arauto».
. Enfim, o «Dicionário da Língua Portuguesa», da Academida das Ciências de Lisboa, não o último, mas o de 1976, de que o único volume, muito bom, diga-se, vai de «a» a «azuverte» (decerto para não ficar a «azurrar» como o seu antecessor, que suscitou a dicacidade de Herculano em piada célebre): «Arauto», de «héraut», francês.
Ora pois : do latim «haraldus», «heraldus», «heraltus», de origem germânica, «héraut», do frâncico «hariwald», do antigo francês «heralt», hoje «hèraut», «Heraldo», do francês «Hérard», com as variantes «Héraud», Hérault», etc., de origem germânica, «heri-, var. de «hari-», exército, e «hard», duro, forte, do frâncico «heriald», pelo francês «hérault», de «héraut», francês – e as mais variações que certamente se encontrariam se mais se procurasse.
Mas até aqui fica-se sem saber qual a forma que primeiro teve voga em português: «arauto» ou «heraldo». Por agora, e sem mais adminículos que os carreados para aqui, o que se pode dizer é que, de documentos na mão, «arauto» é a forma atestada mais cedo (séc. XV). (E todavia, aquele meu palpite não me parece descabido de todo…)
Bom tema para mais uma desses estudos cerebrinos com que se ilustram academias. Eu estou antes com D. Francisco Manuel: «Coisas tão miúdas não é bem que pejem o pensamento de um homem».
- Montexto
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