2.11.10

Retórica

Conselhos


      José Vítor Malheiros escreveu o que muita gente pensa: «Transformar Cavaco Silva em Barack Obama não é possível, mas não será que podiam ter arranjado um discurso para o homem ler? Um discurso — como dizer — que alguém tivesse escrito depois de ter pensado? Tiveram cinco anos de mandato para pensar e saíram-se com isto? Tiveram meses de reflexão sobre a recandidatura e saíram-se com isto? Que Cavaco Silva não sabe falar já sabíamos — abençoados tabus, quanta platitude nos pouparam —, mas o homem sabe ler. Não há ninguém que não veja a tonelada de lugares-comuns e de auto-elogios confrangedores naquelas páginas? Não há ninguém que não tenha reparado que a ideia forte do discurso era “eu já cá estou há muito tempo por isso acho que era melhor deixarem-me continuar”? A culpa não é de Cavaco Silva por outra razão. A retórica política não tem tradição em Portugal. À tristeza retórica do Presidente junta-se a tristeza do primeiro-ministro (com mais gritos mas a mesma vacuidade) e a tristeza da oposição. Recordam-se de algum bom discurso político nos últimos 30 anos? Algum que tenha ultrapassado a circunstância estreita em que foi escrito? Com ideias, com brilho, que mexesse de alguma forma connosco? Não se lembram porque não há. E também não os há do candidato-poeta Manuel Alegre, com responsabilidades mais sérias neste capítulo. Ou há e eu não os conheço. Se quiserem, provem-me que estou errado. Enviem-me as vossas propostas de discursos portugueses históricos para o mail» («A austera, apagada e vil tristeza da retórica», José Vítor Malheiros, Público, 2.11.2010, p. 37).

[Post 4039]

2 comentários:

Francisco Agarez disse...

Será que muita gente leu o artigo de JVM, que bem merece ser lido e divulgado?

Anónimo disse...

Alguém já ouviu falar do grande Pacheco, personagem ilustre de Eça de Queirós? Visitai-o ou revisitai-o: ele explica muita coisa.
- Montexto