Houve no passado fim-de-semana uma iniciativa comercial em Lisboa chamada Stockmarket, realizada na antiga FIL, onde se juntaram 120 marcas com descontos até 80 %. Tinha de ter, já estão a ver, nome inglês, ou não atrairia clientes modernos, cosmopolitas. A jornalista Maria João Caetano escreveu um artigo («Contornar a crise e comprar as prendas de Natal no Stockmarket», 3.12.2010, p. 48) no Diário de Notícias sobre o acontecimento. Começa por nos dizer que o espaço ia ter uma área de lounge. E mais, o mercado (prosaicamente, é isto, meus senhores) seria, «segundo os especialistas», «uma shopping party (festa de compras)». A ideia era escoar os stocks, pois claro. Além dos stands, escrevia a jornalista, podiam os papás estar descansados: havia um playground. Ficámos também a saber que a responsável queria «uma espécie de roadshow, para levar as pechinchas a todo o País».
Isto é uma traição ao idioma pátrio. Não sei como é que um jornalista consegue escrever assim.
[Post 4169]
17 comentários:
Como eu compreendo bem o desabafo do velho Herculano, verdade ou lenda: «Isto dá vontade de morrer!» Ensinam a gentinha a escrevinhar, e depois dá nisto.
- Montexto
Proponho que se enviem esses jornalistas para a Inglaterra ou para os Estados Unidos, onde poderiam escrever em inglês com toda a propriedade e (com alguma sorte) introduzir aqui e ali vocábulos portugueses, contribuindo dessa forma à divulgação da nossa língua no estrangeiro.
Mas o pior de tudo é que, na certa, não dariam conta de escrever tudo em inglês: quem assim escreve sabe só mesmo algumas palavrinhas cá e lá para aparecer.
Proposta oportuna, que peço vénia ao autor para fazer também minha. Mas aposto que, ao cabo de dois meses no inglês, o pouco português que os tais ainda vão balbuciando mal e porcamente acabaria de se lhes varrer completamente da memória. Do que podemos ter a certeza de que não se esquecem é do pouco ou muito inglês que aprenderam, vivam lá onde viverem.
- Montexto
Quando é que se utiliza "fim-de-semana" e "fim de semana"?
A veneração da língua inglesa pelos jornalistas está a atingir o ridículo. Será que não se apercebem que, ao quererem ser sofisticados, estão apenas a ser pernósticos?
Ao Jonh:
Se adoptar as regras do Acordo Ortográfico de 1990, será «fim de semana»; se não as quiser adoptar, será «fim-de-semana». Cabe-lhe a si decidir... Mas seja coerente com a decisão que tomar!
Pernósticos, mas ainda mais pategos, e - pior - vendidos.
- Montexto
Não resisto a transcrever aqui este excerto da poda feita por Fernando Venâncio Peixoto da Fonseca (que só por ter sido colaborador da Enciclopédia Portuguesa e Brasileira já merecia a minha veneração) ao famigerado Dicionário da Academia, e acessível no Ciberdúvidas com o título «O positivo e o negativo do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa». A propósito de estrangeirismos, mais precisamente sobre uso de laser: «O uso de “laser”, em que o Dicionário recomenda a leitura inglesa, só prova a nossa subserviência a esta língua; franceses, Espanhóis e Alemães, por exemplo, embora escrevendo a palavra em inglês, lêem-na de acordo com as suas línguas, sem ditongar o “a” (em “âi”), ao contrário do que se faz em Portugal. Porque não ler laser (= láser), aportuguesando a pronúncia do vocábulo? Em França evita-se o franglais, multando-se quem o usa publicamente por escrito (em etiquetas, letreiros, etc.). Aí estava um processo bem rendoso de o Estado aumentar as suas receitas!»
Ora aí está uma boa proposta em tempos de crise, que todavia os augustos legisladores e demais políticos muito se guardarão de seguir, pela consabida razão de que seriam eles mesmos os primeiros e mais multados.
— Montexto
Por que então não escrever logo "láser", se é para assim pronunciar? Também me ocorre a possibilidade de adotarmos "lêiser", à semelhança do que foi feito com "blêizer", mas estaríamos sendo (meio) "subservientes".
Concordo inteiramente com o leitor do último comentário, que praticamente me tirou as palavras da boca, pois tencionava sugerir isso mesmo, mas acabou por se me esquecer. Pronuncie-se e escreva-se de uma vez por todas, e sem complexos, «láser». E os dicionários que dobrem a língua, e aprendam a ser portugueses.
- Montexto
Acorre-me agora que "dobrar a língua" poderia ter um sentido completamente diverso do pretendido, se quiséssemos polemizar. Mas não o quero. Só chamei a atenção para espichar a conversa. (Tédio...)
Estamos a segui-lo, Montexto.
Sentido «completamente diverso» não conheço nenhum. Regista o tal «Dicionário da Academia»: «dobrar a língua. 1. Fam. Corrigir o que se acabou de dizer, reconsiderar, calar-se. "Percebeu que tinha ido longe demais e dobrou a língua". 2. Frase usada para advertir alguém de que deve falar com respeito.»
Ora, em qualquer destes sentidos que se entenda a expressão quando a empreguei, entender-se-á bem, e ainda melhor se em ambos, - porque eu quis dizer excatamente que os dicionários, por terem ido longe demais, deviam «reconsiderar», «falar com respeito» da... língua, ou, senão, «calar-se».
Há coisa mais clarinha?
Por favor, não me façais perder tempo e feitio...
- Montexto
Sim, claro; se considerarmos a expressão como um todo, não haverá outro sentido possível. Eu estava a gracejar com a possibilidade de tomarmos outro sentido para o verbo "dobrar" (consulte-os, e verá), e o sentido de "idioma" para a língua. Ou seja, não tomando a expressão "dobrar a língua" como cristalizada e indivisível. Não havia por que se exasperar.
Se reler bem meu comentário anterior, verá que o fazia "para polemizar" de brincadeira.
Montexto,
O sentido diverso que o anónimo terá encontrado poderá ser este: os dicionários que modifiquem a língua portuguesa como quiserem. Ou seja: «dobrar a língua» no sentido de «alterar a linguagem», «dobrar» com o significado de «fazer curvar, vergar ou torcer». Claro que, no contexto, a frase nunca poderia ter esse sentido.
Também acho. Mas muito bem: vejo que o que não falta é imaginação.
- Montexto
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