3.12.10

Plural dos apelidos

Por exemplo


      «The war had left the Morrises…» E o tradutor verteu assim: «A guerra deixou os Morris...» Vejam como Camilo pluralizou um apelido que termina em s: «Tinha meninas para conservar a raça dos Queiroses e Meneses; mas a casta varonil iria pelas gerações além menos sujeita a reparos de genealógicos» (Novelas do Minho, 2.º vol., Camilo Castelo Branco. Fixação do texto e nota preliminar pelo Prof. Dr. Jacinto do Prado Coelho. Lisboa: Parceria A. M. Pereira, 1971, p. 131).

[Post 4155]

16 comentários:

Anónimo disse...

Pluralizar os nomes é de regra em português: até Eça de Queirós sabia isso, como o deixa ver pelos Maias. O tradutor nem vendo a coisa pluralizada já em inglês seguiu a boa praxe. Relíquias do influxo franciú, que já foi chão que deu mais uvas, mas já agora é sol de pouca dura.
- Montexto

Marco Lima disse...

Caro Hélder, uma questão sobre um país que está muito na moda: Qatar ou Catar?

Eu prefiro, e como eu, pelos vistos, toda a imprensa também prefere, "Qatar". Mas não tenho qualquer justificação para isto, excepto que me parece... mais bonito.

Qual é a norma a aplicar? E já agora, que dizer dos vizinhos Bahrein/Bahrain/Barem ou Yemen/Iemen/Iemen?

-Marco Lima

Marco Lima disse...

* correcção: Yemen/Iémen/Iemen - já vi o nome escrito destas três formas.

R.A. disse...

Será que Montexto quis dizer que o grande Camilo devia ter escrito "Meneseses" e o tal tradutor devia ter escrito "Morrises"?

Como diriam Eça ou Camilo? os familiares de Helder são os "Guégués", a exemplos dos "Lopes", ou os "Guéguéses", a exemplo de "Queiroses?


Só estou a perguntar.

Paulo Araujo disse...

O comentário do Sr. R.A. faz muito sentido; entretanto, registra o Houaiss, como plural de alferes, um nome comum, mas que leva à mesma questão:
"GRAM usou-se o pl. alfereses no passado".

Anónimo disse...

É por essas e outras complicações que acho perfeitamente lícito manter a forma singular dos sobrenomes.

Anónimo disse...

Quem pergunta quer saber. Ministremos-lhe pois caridosamente as luminárias com que se poderá esclarecer. Consulte pois a «Gramática da Língua Portuguesa», do quinhentista Fernão de Oliveira, cap. XLV; as «Questões de Língua Pátria — coisas que não estão nas gramáticas e outras contra o que elas comtêm», de I. Xavier Fernandes, vol. II, págs. 8 e 9; e, se tiver pressa, navegue em continente até ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, perguntas: «o plural dos apelidos», 16801; «ainda o plural de nomes (prenomes) e apelidos (sobrenomes), 24506; «de novo o plural dos apelidos», 16523; «a tradução de apelido inglês (no plural)», 24427; «plural de apelidos estrangeiros», 8746.
Lá verá em suma que as boas praxes mandam pluralizar os nomes — próprios e apelidos — portugueses, excepto os apelidos com origem em patronímicos, quais Nunes, Fernandes, Gonçalves, etc., e nomes como Marcos, Domingos, etc. E os nomes estrangeiros seguirão as regras da respectiva língua, que no caso da inglesa, como se vê do exemplo citado, pedem a pluralização, mas já não no da francesa: lembremos «Les Rougon-Macquart, de Zola.
Mas o que não pode ser, senhores, é «achar perfeitamente legítima» uma regra inventada por nós, só porque não atinamos com a idiomática e autorizada pelos autores de boa nota. A língua portuguesa ainda não é propriamente a casa da mãe Joana, posto que muitos folgariam de que fosse, e infelizmente bem perto esteja de ser.
— Montexto

Anónimo disse...

É interessante como o Ciberdúvidas só serve de recurso de autoridade quando convém.

Anónimo disse...

Seja lá quem for só serve de autoridade quando contrastado com outras autoridades, entre as quais «a veneranda autoridade dos exemplos clássicos», como diria meu mestre Mário Barreto, e que neste caso são mais que muitos, para não dizer todos, o parecer dos estudiosos do idioma, e a índole e génio deste, além do uso reiterado e mais generalizado.
O enfadonho destes exercícios é que uma pessoa se vê de contínuo constrangida a repassar a basezinha e a tornar à primária. Mas, enfim, sempre se matam saudades...
- Montexto

R.A. disse...

Muito agradeço a caridadezinha.
[No entanto não percebi bem a introdução de Montexto, quando recomenda que «navegue em continente até ao Ciberdúvidas». Cheguei a pensar que era a confissão da sua soberba incontinência verbal. No meus dicionários não encontrei que in continenti se pudesse transpor assim para português, mas ele (e só ele) é que sabe.]
Não deixo contudo de agradecer a lição sobre os plurais dos apelidos, pois de facto quem pergunta quer saber.
Tenho ainda umas dúvidas: Arantes e Carvalhas são patronímicos?

Anónimo disse...

Mais uma vez o leitor ou leitora R.A. não percebe, – sintoma que, a perdurar, ainda se tornará preocupante…Mas pessoa que nos lê com tamanha atenção merece esclarecida. Alumiemo-la pois, nem que seja com as nossas fracas luzes.
1
Quanto à locução «EM CONTINENTE», parece que não sou só eu que sei; também vão sabendo, por exemplo, nos séculos XVIII e XIX, António de Morais Silva, considerado o «nome predominante e tutelar na história da lexicografia portuguesa: a sua obra, em sucessivas reedições, acompanhou a língua em Portugal e no Brasil, ao longo de dois séculos, como a mais importante referência para o uso lexical» (Telmo Verdelho, «Dicionários Portugueses, Breve História»); e, no século XX, Aquilino Ribeiro, que mereceu o título de mestre, a preciosa «Enciclopédia Portuguesa e Brasileira», e ainda o «Dicionário Compacto da Língua Portuguesa», organizado com base no de Morais por Augusto Moreno, Cardoso Júnior e José Pedro Machado, vultos eminentes no campo da lexicografia.
Digne-se pois abrir o «Dicionário da Língua Portuguesa, composto pelo padre Dom Rafael Bluteau, reformado e acrescentado por António de Morais Silva, natural do Rio de Janeiro», Oficina de Simões Tadeu Ferreira, Lisboa, 1789: deparar-se-lhe-á: «“Em continente”: logo, imediatamente»; e na «Enciclopédia Portuguesa e Brasileira»: «“Em continente”, logo a seguir, imediatamente (do lat. “in continenti tempore”, no tempo que segue): “embainhou em continente as reflexões começadas”, Mendes Leal, “Mestre Marçal”, p. 140; e no «Dicionário Compacto»: «“Em continente”, logo a seguir, imediatamente». De Aquilino folheie o primeiro livro que lhe venha à mão: busque e achará.
- Montexto

Anónimo disse...

2
Quanto aos nomes «CARVALHAS» e «ARANTES», apesar de tudo quero crer que o meu consulente terá bem claro que realmente não são patronímicos. Mas o que ele quer saber não é isto. A pergunta traz água no bico: quer significar, lá na sua, que, não sendo patronímicos, deviam pluralizar-se segundo as regras compendiadas em anterior comento meu, e todavia ninguém se atreve a dizer ou a escrever «Carvalhases» ou «Aranteses».
Mas é muito simples, de uma simplicidade infantil, e aposto que quem me estiver a seguir já deu pelo ovo de Colombo, com ressalva, claro, do meu bom consulente, que nunca percebe.
«Carvalhas» não é patronímico, mas nem por isso se pluraliza, pela razão mais do que suficiente de que já se encontra no… plural. «Carvalha, carvalheira», no singular; «carvalhas, carvalheiras», no plural, como ensinaria Monsieur de La Palisse, Pêro Grullo e mestre Banana. E pluralizar nomes que já se acham no plural é chover no molhado; no mínimo, dispensável. Confronte, «verbi gratia», a lição de José Pedro Machado sobre este nome no «Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa».
E, já que estamos com a mão nesta obra, lemos que ensina que «Arantes» é de origem obscura, e, ademais, «está relacionado com top. “Arante” (q.v.). Provirá de Espanha e neste caso estará relacionado com o basco “arantz”, “vales” e também “espinha, espinho”». Ora, já se deixa ver que esta voz, além de já de origem remeter para o plural, e não sendo embora patronímico, termina como estes, pelo que ao génio da língua até por analogia (uma das forças que mais trabalha os idiomas) repugnará pluralizá-lo, como também sucede com os patronímicos e com os… plurais.
E, já agora, no mesmo caso está «Meneses», que o meu estimável consulente também não percebe. Pois fique sabendo que é outrossim um plural de origem toponímica: J.P. Machado: «de origem cast. Do top. “Meneses”, Palência: “Meneses en Campos”, que denuncia uma colónia de valle de Mena (situado al norte de Burgos). Orígenes, § 92, 2; Antr., (p.303) confirma esta doutrina: «os habitantes de Mena são naturalmente Meneses, como os de Ávila são Avileses. […] “Dona Isabel de Meneses, filha de Dom Tello de Meneses”. A presença do “de” confirma a origem toponímica».
E o mesmo se entenda de «Queirós», grafia que pode ser já o plural da planta também conhecida por «queiró, quiró», que igualmente pode revestir a forma de «queirós» no singular, caso em que no plural ficará «queiroses», como escreve Camilo; mas já se vê que também pode grafar-se «queirós» significando o plural, como se adverte no Ciberdúvidas, explicando-se que se dispensa a forma «queiroses». J.P. Machado, além do mais: «“Queiroses, top. Castelo Braço, Marco de Canaveses. Alusão a pessoas desses locais pertencentes a famílias com o apel. “Queirós”.»
- Montexto

Anónimo disse...

3
Mas, se não lhe agradarem estas abonações e doutrina, resta sempre ao caro R. A. negar-lhes crédito, e criar por sua alta recreação e gáudio pessoal a sua própria norma, no que aliás seguirá muito avançado a ideia nova que impera na glote e pedagogia hodiernas, segundo a qual, a bem dizer, há tantas normas quantos indivíduos, e a própria norma é já de si tão elástica, tolerante e latitudinária que inclui a sua excepção, nem haverá aí quem as estreme à vista desarmada. «Quando um homem não quer crer não crê. Diante dos documentos, nega-lhes a autenticidade, e em presença das provas materiais fecha os olhos» (Mário Barreto, «Através do Dicionário e da Gramática», 1986, cap. XLIX, p. 265).
Mas, pensando bem, não se preocupe: tudo tem o seu lado bom, para tudo há consolação. A dos que não percebem é nada mais, nada menos que a promessa do Reino dos Céus. Confira em Mateus, V, 3, – e rejubile.
Não neguemos porém ao caro R.A. outra consolação, embora mais mundanal, e por isso de menos momento e consequência: apesar de perceber não ser o seu forte, nem por isso deixa de lhe baixar um bom palpite de vez em quando. Quem não acredite basta-lhe visitar o tema «siren suit», de 18 de Novembro de 2010, neste blogue.
Ah! só mais uma dica, caro R.A: arranje mais e melhores dicionários. Já sabe: dicionários, nenhum suficiente, todos necessários.
- Montexto

Anónimo disse...

P.S: Ia-me esquecendo de pedir desculpa ao caro R.A. pela minha incontinência verbal, o que agora me apresso a fazer. Mas compreenda-se: dantes estas questões eram dominadas por meninos das primeiras letras, hoje nem pelos das últimas, e, por mais corriqueiras e de baratíssima erudição que sejam, sempre demandam o seu espaço para se tornarem perceptíveis, sobretudo a quem é muito tenro e hóspede na matéria.

- Montexto

Anónimo disse...

P.S.: Ia-me esquecendo de pedir desculpa ao caro R.A. pela minha incontinência verbal, o que agora me apresso a fazer. Mas compreenda-se: dantes estas questões eram dominadas por meninos das primeiras letras, hoje nem pelos das últimas, e, por mais corriqueiras e de baratíssima erudição que sejam, sempre demandam o seu espaço para se tornarem perceptíveis, sobretudo a quem é muito tenro e hóspede na matéria.
— Montexto

Anónimo disse...

No meu comento 2, queira ler-se Castelo Branco onde por mero e óbvio lapso se grafou Castelo Braço.
- Montexto