Imaginem que alguém escrevia esta frase: «Agora temos de analisar cuidadosamente as razões a favor de x.» Reflectia e acrescentava: «O problema é que não parece haver muitas.» Aparecia o cônjuge e alterava: «O problema é que parece não haver muitas.» Quem tem razão? Há aqui matizes a considerar? Está aberta a antena.
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7 comentários:
Eu votaria em "parece não haver". Mas é "por instinto", não tenho justificação a dar.
Nesse caso concreto, penso que a nuança de sentido, se houver, é mínima, ficando a colocação ao gosto do freguês. Já em outros casos, haverá uma distinta mudança. Exemplo: é muito diferente dizer "Posso não dar um presente de Natal" e dizer "Não posso dar um presente de Natal". Também vou por instinto, e seria bom até se alguém souber indicar se existe algum estudo sobre isso (ou se há o que se aprofundar nessa questão).
No Dicionário de Regência Verbal, de Celso Pedro Luft, exemplo final da acepção 3 do verbete 'parecer': TI: parecer-lhe algo; parecer-lhe que…; parecer-lhe + Infinitivo. Ser opinião ou parecer (de alguém): O que lhe parece? "Não quis dizer o que lhe parecia" (Aurélio). Parece-lhe que tudo está bem. Parece-lhe não haver necessidade de mudanças." Ou seja, o 'não' deve ficar antes do verbo que está no infinitivo. Por que? não sei.
A presente variação vai dar no mesmo, mas outras pode haver que não, e então assumirem relevo os tais matizes. Mas não nos vamos pôr agora a descobrir a pólvora. Basta consultar o egrégio mestre brasileiro Mário Barreto, de quem, por este andar, corro o risco de me tornar mero copista: «Quando se deve negar a proposição inteira, o “não” vai antes do predicado verbal ou antes da cópula: “O cavalo não corre, esta flor não é bela, não posso dizer-lho, não o quis fazer, não posso aceitá-la”. Cfr. “posso não fazê-lo”, onde o “não” se refere só ao termo “fazê-lo”, como noutras frases semelhantes: Devia “não ser” muita a afeição que lhe tinha. É mui necessário colocarmos a partícula “não” antes do verbo a que pertence a negação, principalmente quando este verbo determina um infinitivo; porque o sentido pode diferir, em certas frases, conforme se achar a negação antes do determinativo ou antes do determinado. De facto, “a ferida não pode ser mortal” não tem o mesmo sentido que “a ferida pode não ser mortal”. No 1.º ex. a vida não está em situação perigosa; no 2.º, a morte é para temida. As duas frases seguintes oferecem igualmente uma diferença de sentido, fácil de distinguir: “Fiz bem em não perder o tempo lendo obra tão frívola” e “não fiz bem em perder o tempo…” Contudo, é de ordinário difícil decidir a qual dos dois verbos pertence a negação; neste caso, ela encontra-se bem antes de um ou outro verbo: “Resolveu-se a não a procurar”, ou “não se resolveu a procurá-la; deve o homem não aventurar os seus juízos”, ou “não deve o homem aventurar os seus juízos” («Através do Dicionário e da Gramática», XLIV, 344, nota 1.
Outra coisa: repararam naquilo de «a morte é para temida»? Não, não houve lapso: nestes casos é giro da língua clássica omitir ou calar o verbo “ser”: a virtude merece (ser) galardoada, etc.
- Montexto
P.S. - A frase indicada pelo segundo leitor «posso não dar» e «não posso dar» foi bem encontrada, a meu ver: torna bem palpável a importância da colocação em certos casos.
- Mont.
Agradecido pelo reconhecimento. Bem sabe que, em matéria de língua, um elogio vindo de si tem peso dobrado.
Na minha opinião, ao dizermos «parece não haver muitas» estamos a manifestar um grau de certeza ligeiramente maior do que se disséssemos «não parece haver muitas». Mas esta é uma questão altamente subjectiva... a diferença que eu, pessoalmente, detecto é muito ténue, difícil de quantificar.
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