22.12.10

Risco de vida/risco de morte

Na fronteira


      Risco de vida/risco de morte. São ambas elípticas, isso é claro: risco de perder a vida e risco de encontrar a morte. Mas qual é a mais comum na língua portuguesa? Sem qualquer espécie de dúvida, a primeira, mas com a segunda a impor-se graças (parece) aos que antepõem a lógica à linguística. Entre eles, num dado passo mal dado, Camilo Castelo Branco. Noutras línguas, porém, também existem (mas com isso podemos nós bem) as duas formas: risk of life e risk of death, em inglês, riesgo de vida e riesgo de muerte em espanhol, risque de vie e risque de mort em francês. Posto isto, será razoável perder tempo a tentar descortinar a legitimidade de uma em detrimento da outra?

[Post 4216]

8 comentários:

Anónimo disse...

Não vale.
Mas é como diz: a forma idiomática é «risco de vida», e a tal lógica é que faz hesitar. Mas a língua não é só lógica. O caso foi tratado cuido que por Botelho de Amaral (ou talvez Agostinho de Campos).
- Montexto

Anónimo disse...

«Nao vale», isto é, não vale a pena perder tempo com isso.
- Montexto

Anónimo disse...

Concordo: não vale. Cada qual escreva e diga a que mais lhe aprouver.

Paulo Araujo disse...

Aqui temos o mesmo problema. Desde a chegada da primeira caravela a Porto Seguro, até a invenção da televisão, sempre se disse 'risco de vida'; se se quer usar a lógica, melhor seria dizer 'risco de morrer'. A vida é que corre risco, não a morte; penso eu.

Anónimo disse...

Tem razão o Sr. Paulo Araújo, mas podemos contar com que «risco de morte» vai fazer o seu caminho, como é apanágio de toda a novidade nesta nossa admirável época, que adora a mudança.
Aquilo do castelhano Antonio Machado — não basta mudar para renovar, não basta renovar para melhorar — não é com ela.
— Montexto

Paulo Araujo disse...

A lógica também não é muito, digamos, 'lógica'. Quando usada na negativa, a expressão, sem contexto,'fulano não corre risco de morrer', não significa que fulano é imortal; e se alguém pula de um precipício, tanto corre risco de [perder a] vida quanto, ao mesmo tempo, corre risco de [sobrevir à] morte.

Anónimo disse...

Foi Agostinho de Campos quem versou o caso no seu «Glossáro de Incertezas, Novidades, Curiosidades da Língua Portuguesa, e também de Atrocidades da Nossa Escrita Actual», Liv. Bertrand, MCMXXXVIII, que agora tenho comigo.
Págs. 242 e 243, de que traslado: «Os postes eléctricos do Norte do País dizem "Perigo de vida"; os do Sul rezam "Perigo de morte". Quais empregam melhor vernáculo?
Salvo melhor aviso, parece-nos que são boas as duas maneiras de dizer, embora a primeira aparente foss de melhor fidalguia, clássica ou popular, por causa da velha expressão "estar em perigo de vida", ao passo que a segunda soa a alguns afrancesada ("danger de mort").
"Perigo de vida" explica-se pelo verbo "perigar", hoje pouco usado: se a vida nos "periga", estamos em perigo de vida. Por outro lado, não repugna dizer "perigo de incêndio, de explosão, de guerra, de naufrágio, de infecção", etc., e por estas formas, esteriotipada ou quási, se pode justificar "perigo de morte".
Parece que "perigo de vida" é, como já dissemos, substantivação do caso de "perigar" a vida; e que, no "perigo de morte", este "de morte" correspomde, não ao verbo "perigar", mas ao adjectivo "mortal". Compara-se com "ódio de morte" e "ódio mortal". "Mortal" siginifica "relativo à morte", "que produz ou pode produzir morte"; portanto, se o perigo é "mortal", é "perigo de morte". Depois há o uso, que se diz que faz lei, e com certeza faz também "sentimento"; e, assim, soa-nos bem dizer que a Europa se encontra hoje "em perio de guerra", e creio que não "sentiríamos" como boa a expressão: a Europa está "em perifgo de paz". No entanto era isto o que se deveria dizer, se fosse legítimo, ou vernáculo, dizer apenas "perigo de vida".»
Etc., etc., mas cuido que já basta.

Já agora advirta-se nisto: os postes do Norte diziam «perigo de vida», que é a forma idiomática, e os postes do Sul rezavam «perigo de morte», que é a que a alguns soa a afrancesada. E em quase todos os campos da língua tem sido assim.
Por isso é que o imenso José Leite de Vasconcelos, que passou a melhor parte da vida a estudar e meditar nestas coisas, e sabia do que falava, disse nas suas «Lições de Filiogia Portuguesa» (Livros de Portugal - Rio de Janeiro, 1958, p. 354)que «Parece que a língua se vai debilitando do Norte para o Sul».
Eu confirmo.
- Montexto

Anónimo disse...

Corrigenda: «estereotipadas»,«foros de melhor fidalguia», «perigo de paz», «Lições de Filologia».
- Mont.