22.12.10

Redacção

Onde fica o não


      Imaginem que alguém escrevia esta frase: «Agora temos de analisar cuidadosamente as razões a favor de x.» Reflectia e acrescentava: «O problema é que não parece haver muitas.» Aparecia o cônjuge e alterava: «O problema é que parece não haver muitas.» Quem tem razão? Há aqui matizes a considerar? Está aberta a antena.

[Post 4215]

7 comentários:

Marco Lima disse...

Eu votaria em "parece não haver". Mas é "por instinto", não tenho justificação a dar.

Anónimo disse...

Nesse caso concreto, penso que a nuança de sentido, se houver, é mínima, ficando a colocação ao gosto do freguês. Já em outros casos, haverá uma distinta mudança. Exemplo: é muito diferente dizer "Posso não dar um presente de Natal" e dizer "Não posso dar um presente de Natal". Também vou por instinto, e seria bom até se alguém souber indicar se existe algum estudo sobre isso (ou se há o que se aprofundar nessa questão).

Paulo Araujo disse...

No Dicionário de Regência Verbal, de Celso Pedro Luft, exemplo final da acepção 3 do verbete 'parecer': TI: parecer-lhe algo; parecer-lhe que…; parecer-lhe + Infinitivo. Ser opinião ou parecer (de alguém): O que lhe parece? "Não quis dizer o que lhe parecia" (Aurélio). Parece-lhe que tudo está bem. Parece-lhe não haver necessidade de mudanças." Ou seja, o 'não' deve ficar antes do verbo que está no infinitivo. Por que? não sei.

Anónimo disse...

A presente variação vai dar no mesmo, mas outras pode haver que não, e então assumirem relevo os tais matizes. Mas não nos vamos pôr agora a descobrir a pólvora. Basta consultar o egrégio mestre brasileiro Mário Barreto, de quem, por este andar, corro o risco de me tornar mero copista: «Quando se deve negar a proposição inteira, o “não” vai antes do predicado verbal ou antes da cópula: “O cavalo não corre, esta flor não é bela, não posso dizer-lho, não o quis fazer, não posso aceitá-la”. Cfr. “posso não fazê-lo”, onde o “não” se refere só ao termo “fazê-lo”, como noutras frases semelhantes: Devia “não ser” muita a afeição que lhe tinha. É mui necessário colocarmos a partícula “não” antes do verbo a que pertence a negação, principalmente quando este verbo determina um infinitivo; porque o sentido pode diferir, em certas frases, conforme se achar a negação antes do determinativo ou antes do determinado. De facto, “a ferida não pode ser mortal” não tem o mesmo sentido que “a ferida pode não ser mortal”. No 1.º ex. a vida não está em situação perigosa; no 2.º, a morte é para temida. As duas frases seguintes oferecem igualmente uma diferença de sentido, fácil de distinguir: “Fiz bem em não perder o tempo lendo obra tão frívola” e “não fiz bem em perder o tempo…” Contudo, é de ordinário difícil decidir a qual dos dois verbos pertence a negação; neste caso, ela encontra-se bem antes de um ou outro verbo: “Resolveu-se a não a procurar”, ou “não se resolveu a procurá-la; deve o homem não aventurar os seus juízos”, ou “não deve o homem aventurar os seus juízos” («Através do Dicionário e da Gramática», XLIV, 344, nota 1.

Outra coisa: repararam naquilo de «a morte é para temida»? Não, não houve lapso: nestes casos é giro da língua clássica omitir ou calar o verbo “ser”: a virtude merece (ser) galardoada, etc.
- Montexto

Anónimo disse...

P.S. - A frase indicada pelo segundo leitor «posso não dar» e «não posso dar» foi bem encontrada, a meu ver: torna bem palpável a importância da colocação em certos casos.
- Mont.

Anónimo disse...

Agradecido pelo reconhecimento. Bem sabe que, em matéria de língua, um elogio vindo de si tem peso dobrado.

Anónimo disse...

Na minha opinião, ao dizermos «parece não haver muitas» estamos a manifestar um grau de certeza ligeiramente maior do que se disséssemos «não parece haver muitas». Mas esta é uma questão altamente subjectiva... a diferença que eu, pessoalmente, detecto é muito ténue, difícil de quantificar.