Lembram-se da minha recomendação de levarmos os nossos filhos para Badajoz? Reitero-a com igual razão. Ontem vi outra — repito: outra — professora de Português (não posso dizer onde, só que é uma espécie de laboratório) a escrever «hábito» sem h, pois meteu na cabeça que é o que a a), n.º 2, da Base II do Acordo Ortográfico de 1990 estipula. Este país poucos conhecem. Não queria estar na pele dos infelizes dos alunos...
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16 comentários:
Lamentável. Contudo, como essas devem ser daquelas que seguem os livros didáticos à risca para preparar (?) aulas, sossegarão quando lerem por lá as regrinhas novas (e as velhas). Assim espero.
Cá e lá más fadas há: as últimas notícias de Espanha em matéria de costumes apresentam a «modernidade» em plena fúria e «delirium tremens».
Mas é triste.
E não é alegre topar pela segunda vez num livro como o «Doutor Fausto», de Thomas Mann (D. Quixote, 4.ª ed. revista, 2010, trad. de Herbert Caro, revisão para Portugal de José Jacinto da Silva Pereira), o vocábulo «cônjuge» empregado deste modo: «o facto de ela preferir a convivência com Natália ao das sisudas cônjuges dos colegas do marido, visitando-a na intimidade...»
Lê-se esta monstruosidade na pág. 444, e já aparecera outra do mesmo farelo na p. 145, já trasladada para este blogue, se bem vos lembrais.
E o romance já vai tranquilamente na 4.ª edição - revista, note-se, - e não houve uma alma caridosa, mas alerta, que chamasse a atenção do editor, tradutor ou revisor para o atentado!
- Montexto
Base II - Do h inicial e final
1.º O h inicial emprega-se:
a) Por força da etimologia: haver, hélice, hera, hoje, hora, homem, humor;
b) Em virtude de adoção convencional: hã?, hem?, hum!
2.º O h inicial suprime-se:
a) Quando, apesar da etimologia, a sua supressão está inteiramente consagrada pelo uso: erva, em vez de herva; e, portanto, ervaçal, ervanário, ervoso (em contraste com herbáceo, herbanário, herboso, formas de origem erudita);
b) Quando, por via de composição, passa a interior e o elemento em que figura se aglutina ao precedente: biebdomadário, desarmonia, desumano, exaurir, inábil, lobisomem, reabilitar, reaver.
3.º O h inicial mantém-se, no entanto, quando numa palavra composta pertence a um elemento que está ligado ao anterior por meio de hífen: anti-higiénico/anti-higiênico, contra-haste, pré-história, sobre-humano.
4.º O h final emprega-se em interjeições: ah! oh!
E onde é que no malfadado aborto gráfico fica o agá de 'húmido'? Atendendo ao texto, se "a sua supressão está inteiramente consagrada pelo uso". Ora se no Brasil se não usa e em Portugal se usa, logo a supressão não está inteiramente consagrada pelo uso. Só em parte.
O camarada Malaca já sabe desta para pôr no V.O.L.P. da Academia das Sciencias? E o cavalheiro Bechara?
Cumpts.
Também lamentei pelo "húmido" português, o qual, aliás, pelo pouco que sei, conserva-se mais próximo do étimo latino. Devíamos, isso sim, era escrever também com "h" aqui no Brasil.
De facto, também me parece que o AO 90 impõe, no Brasil, o regresso do "h" às palavras "úmido", "umidade", "umidificador", etc.
Os outorgantes brasileiros do Acordo, se o quisessem, teriam incluído essa exceção, tal como acontece com a "erva" e com o vosso "fato".
Não acha, Paulo Araújo?
Caro C. Kupo,
Não percebo o que lamentou relacionado com o «húmido» português, pois não lhe aconteceu nada nem vai acontecer. Quanto ao que afirma sobre a etimologia, os Brasileiros costumam dizer o contrário. De facto, já no latim se usava umidus sem h.
Se bem me lembro, um livrinho de Evanildo Bechara fazia entender que os portugueses teriam de engolir o nosso "úmido". Era um opúsculo que veio a lume junto de outros tantos caça-níqueis que grassaram por ocasião do anúncio do AO90 e da adesão definitiva pelo Brasil. Não digo que o livro seja ruim, mas vê-se que saiu às pressas, no intuito de sair primeiro e vender mais, aproveitando-se do alvoroço que a mídia causou e do pânico que tomou conta das pessoas, no princípio.
Fiquei, da leitura que fiz à época, com essa impressão quanto ao "úmido". E, se não me engano, o nosso VOLP (outro que saiu às pressas e cheio de erros) também sugere o mesmo.
Já quanto à grafia latina, realmente não posso contradizer o que você diz; estava a basear-me no que diz o Houaiss sobre a etimologia da palavra: "lat. humìdus,a,um 'úmido', der. do v.lat. humére 'estar úmido'; a partir de 1943, a grafia bras. preconizou a proscrição do h-, letra que, entretanto, foi mantida na grafia port."
Também o Aurélio XXI dá como etimologia uma forma latina "humidu". Foram sempre os dois dicionários que tive à cabeceira. O Aulete Digital faz coro deles. Não nego que necessite de adquirir outros dicionários, mas não entendo a lógica brasileira de suprimir o "h" inicial a partir da década de 40 e ao mesmo tempo reconhecer que o latim o mantinha.
Se alguém puder trazer os argumentos que embasam os brasileiros nesse particular, fico interessado.
De esclarecer ainda que, quando digo que o VOLP sugere a adoção de "úmido" pelos portugueses, refiro-me ao fato de que ele mantém somente essa variante em sua base em linha, já "conforme descrito no Acordo Ortográfico."
Ora, se parto do princípio de que o Acordo é para unificar a grafia - portanto, para que haja sempre uma única -, e se o VOLP lista apenas "úmido", é de deduzir que seja essa a grafia a ser adotada.
Contudo, como disse, o VOLP foi feito às pressas e contém erros de interpretação do texto do Acordo e mereceu por isso duras críticas de muitas autoridades, incluindo-se Cláudio Moreno (que lhe dedicou diversas colunas de jornal para fazer propaganda negativa do produto).
O Vocabulário Ortográfico do Português (http://www.portaldalinguaportuguesa.org) tem:
«ú·mi·do, adjetivo
Masculino Feminino
Singular úmido úmida
Plural úmidos úmidas
variante AO : húmido (Portugal)
Nota: Português Brasil»
A quem interessar possam as críticas feitas por Cláudio Moreno ao VOLP brasileiro, remeto os caros colegas novamente ao seu sítio (www.sualingua.com.br) e recomendo a busca por "Não compre o novo VOLP". É uma série de quatro textos numerados e devem ser lidos na ordem.
«Húmido, adj. Do lat. (h)umidu-, "húmido; líquido; substantivamente, lugar húmido, pântano; humidade"; por via culta. Séc. XV: "... e he terra humyda de natura", "Crónica Geral de Espanha de 1344", II, p. 74» (José Pedro Machado, «Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa - com a mais antiga documentação escrita e conhecida de muitos dos vocábulos estudados», Livros Horizonte, 8.ª ed., 2003, III, p. 247).
Gostei especialmente daqueles parêntesis a envolver o «h»!
- Montexto
Para o que valha o bárbaro aspirou o agá dum perfumado humide francesa e ao que parece os antigos franceses baralharam o agá de humus com o umere. Se a Crónica Geral de Espanha de 1344 já tinha a «terra humyda», cheira-me que o agá é do latim medieval.
Quanto ao aborto gráfico os que o pariram haviam de ter de engolir o agá com todas as letras do texto da Base II. Mas como eles afirmam que é para unificar e no fim cospem e salivam em parelha todas as flexões de detectar/detetar eu direi que o aborto gráfico é mais é para umedecer, tanto é o perdigoto.
Cumpts.
Tive de recorrer ao Dicionário Escolar Latino-Português, de Ernesto Faria, 3.ª edição, 1962 para tentar sanar a dúvida. Não se deixem enganar pelo "escolar" do título; ao menos cá no Brasil, é dos dicionários e latinistas mais respeitados.
Ele traz o verbete "umidus" e remete-nos a "humidus". Contudo, embora isso devesse traduzir a preferência do dicionarista entre as duas formas, lemos o seguinte no verbete com agá: "humidus (umidus), -a, -um, adj. I - sent. próprio: 1) úmido, molhado [...] Daí: 2) líquido [...] II - sent. figurado: 3) inconsistente [...] Como substantivo n.: humidum: 4) lugar úmido, pântano [...] 5) umidade. OBS: a grafia sem h é a correta."
As reticências são para suprimir as referências aos textos clássicos em que se encontram tais e tais acepções.
A nota ao final não deixa dúvida sobre a opinião de Ernesto Faria.
Aos admiradores do H:
. «A única necessidade do “h”, em português, é depois de “c”, “l”, ou “n”, dando a “l” e “n” o som palatal, e a “c” o som de “x”: filho, sonho, achar…»: Mário Barreto, «Fatos da Língua Portuguesa», 1982, p. 272.
. «Desde que o “h” não é aspirado em português, a fonética não o justifica em “hora”, “hábito”, “homem”, “hábil”, etc.; por isso o dispensaram os italianos em “uomo”, “ora”, “abito”, “abile”, “igiene”, “ipoteca”, etc., e nem por isso ainda disse que a língua italiana não seja, como a mossa, filha da latina. Mas a Academia Brasileira confessou francamente que não ia fazer uma reforma radicial»: Cândido de Figueiredo, «A Ortografia no Brasil», Lisboa, 1908.
. «Peço vénia para refazer parte da ortografia do poeta. Ela é engenhosa, mas extraordinária. O Dr. Filgueiras escreve “agora” deste feitio: “haghora”. Esta profusão de “hh” confunde outros ortógrafos que dizem que o “h” não é letra. Por estas e outras incongruidades, é que Edgar Poë fazia ardentes votos pela abolição da pena de morte e da ortografia»: Camilo Castelo Branco, «Cancioneiro Alegre». 1879, p. 80.
- Montexto
Mais para os admiradores do H:
«Já o mais antigo dos nossos gramáticos, Fernão de Oliveira [séc. XVI], pedia a supressão do "h", letra abstracta e sem som que lhe corresponda» (João Ribeiro, «Selecta Clássica», nota 131).
- Mont.
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