8.1.11

Edição

São doidos


      «A reedição dos clássicos As Aventuras de Tom Sawyer e As Aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain (1835-1910), está a gerar polémica nos Estados Unidos. Isto porque a editora norte-americana NewSouth decidiu substituir a palavra “nigger” (preto) por “slave” (escravo) e ‘injun’ (forma coloquial utilizada no Missouri da primeira metade do século XIX para índio, altura em que se passam as duas histórias) por ‘indian’ nas edições que vai lançar no próximo mês» («‘As aventuras’ de Mark Twain reeditadas sem a palavra ‘preto’», Marina Marques, Diário de Notícias, 7.01.2011, p. 53).
      «Re-editadas», ler-se-á no Jornal de Letras... Ainda segundo o Diário de Notícias, «a forte carga negativa dos dois epítetos raciais é a justificação apresentada por Alan Gribben, especialista da obra de Mark Twain e editor destas novas versões, para a alteração apresentada». Isto é sequer admissível?

[Post 4292]

11 comentários:

R.A. disse...

O Babylon 8 refere em "nigger": «negro, preto, crioulo (termo ofensivo)» e em "injun": «American Indian, native North American person (offensive term)».
Talvez há mais de cem anos os termos usados por Mark Twain não tivessem essa carga que, pelos vistos, agora têm (na opinião do tal especialista da sua obra).

Anónimo disse...

Não satisfeitos com mudar o presente e condicionar o futuro, tentam também mudar o passado. Tanta gente útil e desempregada que poderia, com vantagem, fazer o trabalho destes «especialistas»! Qualquer dia ser-nos-á proibido usar certos vocábulos («denegrir», por exemplo), para logo a seguir eles serem banidos dos dicionários...

R.A. disse...

Insisto. Não acha o caro anónimo que as palavras ganham ou perdem aceções com o correr dos tempos, pese embora a irritação de eruditos, puristas e mesmo hipocondríacos?

Anónimo disse...

Não é isso que está em causa, caro R.A. O que é inadmissível é que se tente alterar uma obra que foi escrita no passado só porque as palavras usadas nessa altura têm outras acepções nos dias de hoje. Nós os vivos ainda podemos lutar pelo direito a usarmos as palavras que bem entendermos, mas os mortos não se podem defender! Deixemos descansar em paz o Sr. Mark Twain.

Paulo Araujo disse...

"Metáfora seguida

Até já me lembrei, maldita fantasia!
De abrir com uma bala a negra sepultura;

Guerra Junqueiro, Os Saltimbancos [A Morte de Dom João]

[O poeta criou uma metáfora indireta e seguida ao dizer que a fantasia do suicídio, por um tiro em si mesmo, leva à óbvia conclusão de que a bala que lhe tira a vida, abre, metaforicamente, uma necessária sepultura; negra, ainda por cima. A ‘cor’ da sepultura pode ser apenas um recurso métrico, à falta de outro que não lhe ocorreu, mas, provavelmente, é mais uma metáfora para consubstanciar o horror de sua maldita fantasia, se for lida nas acepções de escura, sombria, tenebrosa, como soe ser uma sepultura.

Guerra Junqueiro usa com frequência o sentido metafórico de negro:

Eu negra flor do mal silenciosa e calma,
...
Mais negros do que o mar, mais livres do que os ventos,
...
Negra como terror, triste como Caim.
...
Corria pelo espaço um negro megnetismo...
...
A escola! oh, negro terror, abraseado abismo!
...
Só eu posso arrancar-te a negra flor do tédio,
...
Em negro turbilhão rompem dos seus covis
...
E negras maldições, agudas cono lanças,]."

Escrevi a definição e transcrevi os versos como exemplos de metáfora seguida em minha modesta obra "Retórica e Poética"; eu e Guerra Junqueiro certamente vamos queimar no fogo dos infernos.

Anónimo disse...

Aqui permiti-me que me remeta a um silêncio discreto, assombrado, e quase religioso, perante a imensurabilidade da estupidez humana.
- Montexto

Anónimo disse...

Farei eco de seu silêncio, Montexto.

André disse...

Caro R. A.:
A aplicar-se o seu raciocínio - fortemente enviesado - não havia clássico que não passasse a espécie de queijo suíço literário, depois de tanta rasura e disfarce moralistas. As obras não se reescrevem conforme as modas puritanas. Como dizia o saudoso Nélson Rodrigues "absolutamente TODAS as palavras são maravilhosas". Esse "nigger" inflamado só dança no fogo das más consciências.

R.A. disse...

Eu não sou tradutor nem editor mas não acredito que haja tradutores ou editores que nunca tenham mudado uma palavra cujo sentido lhe pareça desatualizado no momento em que preparam o lançamento de obra antiga. Etiquetar sempre esse cuidado, pejorativamente, como "politicamente correto" parece-me, isso sim, bastante enviesado.
Posso estar errado mas consigo, apesar da minha “estupidez humana”, perceber que certas emendas "modernas" a obras antigas são manifestamente exageradas, desnecessárias e sem fundamento.

Anónimo disse...

Aproveitando que a este espaço ainda não chegou a censura, e que podemos escrever numa linguagem politicamente incorrecta, refira-se o facto de uma certa ave rara do género «Castellus Brancus», catalogada por alguns dentro da família dos jornalistas, nos ter abandonado ontem a partir de um hotel nova-iorquino, ao que parece com a ajuda de uma outra ave rara do mesmo género. Pelo menos estas duas já não devem fazer ninho...

Anónimo disse...

Nunca fiando... Tais espécies são tão vivazes que renascem agora das próprias cinzas.
- Mont.