16.2.11

Acordo Ortográfico

Magna questão

      No laboratório. Apareceram umas almas aflitas, porque não sabem se Timor-Leste continuará, no âmbito das novas regras ortográficas, a escrever-se com hífen. A regra manda hifenizar os topónimos compostos iniciados pelos adjectivos «grã», «grão» ou por forma verbal ou cujos elementos estejam ligados por artigo. Exemplos: Grã-Bretanha, Grão-Pará; Abre-Campo; Passa-Quatro, Quebra-Costas, Quebra-Dentes, Traga-Mouros, Trinca-Fortes; Albergaria-a-Velha, Baía de Todos-os-Santos, Entre-os-Rios, Montemor-o-Novo, Trás-os-Montes. Os outros topónimos compostos, lê-se numa observação, escrevem-se com os elementos separados, sem hífen. «O topónimo/topônimo Guiné-Bissau é, contudo, uma exceção consagrada pelo uso», acrescenta-se. Foi a isto que as sobreditas almas aflitas se agarraram.
      Ora bem, tanto quanto me lembro, a única referência a Timor-Leste, em relação a esta matéria, encontra-se no Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (e na própria resolução que o aprovou), e a grafia do topónimo surge com hífen. Contudo, isso é manifestamente insuficiente para tirarmos uma conclusão cabal, como seria fácil de demonstrar. Decisivo, a meu ver, é estar no Vocabulário Ortográfico do Português (VOP), do Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC), não como entrada lexical mas fazendo parte da definição de «timorense». Não precisamos de mais. Ou não precisa de mais quem é professor, porque este VOP foi adoptado para o sistema de ensino pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011.
      Voltando à observação do n.º 2 da Base XV: com a redacção que tem, não me parece que exclua outras excepções (que as há).

[Post 4439]

9 comentários:

Bic Laranja disse...

1) A consagração da Guiné-Bissau pelo uso é tradição. Tradição desde 1975!... Já a excepção sem 'p' rompe com tradição bem bem mais antiga que, vá lá... 1945?!... Timor-Leste há-de ser tão antiga quanto os timorenses no Vale do Jamor...
2) «O topónimo/topônimo...»; que raio de linguagenzinha politicamentezinha correctazinha é esta? Alguém fala assim?!... Já as Ciberdúvidas (cujo mérito é inegável), de sempre que proscrevem entre odiosos parênteses rectos as consoantes surdas (eu digo-as todas; ou surdos é que as não ouvem) nos seus textos. É para não descriminar? Pois descrimina, não vêem? Além de surdos são cegos. E eu não sou mudo.
Cumpts.

Helder Guégués disse...

Aqui não há crime nenhum, por isso não se descrimina nem se descriminaliza.

Bic Laranja disse...

Ah! Ah! Touché.
Cumpts.

Anónimo disse...

Realmente, a diferença do «descrimina» para o «discrimina» é muito escorregadia, e, se uma pessoa se deixa ir, estatela-se com facilidade. Acontece a todos. Estes casos só se tornam graves, se reiterados. Mas fazem-me lembrar a reacção do velho Winston, que também ia aos arames com eles: «Foi em Ditchley que Churchill protestou com uma secretária por ter cometido um deslize de gramática na transcrição de um relatório por ele ditado; o primeiro-ministro, que odiava estes deslizes, bradou: “Não estou disposto a suportar semelhante coisa”» (Churchill, de Paul Johnson, Alêtheia, 2010, p. 159).
Tempos mais rigorosos, aqueles.
— Montexto

Paulo Araujo disse...

Dizem que Gilberto Freyre devolvia as correspondências [a ele] endereçadas para Gilberto Freire, alegando não abrir correspondência alheia.

Bic Laranja disse...

Agora devia estar caladinho, mas vou abrir o bico só para sussurrar como com uma calinada indesculpável se deita a perder todo um argumento. E um orador.
Cumpts.

Anónimo disse...

Sim, o grande Gilberto também foi nessa preferência brasileira do «y», que sempre me fez impressão. Enfim, já não vale a pena malhar no assunto...
*
Mas compreende-se a irritação do velho Winston, «um verdadeiro mestre no uso da palavra; e adorava as palavras [...]. Estadista inglês algum apreciou jamais as palavras como ele, ou as utilizou de forma tão persistente como ele para promover a sua carreira e redimi-la em momentos de dificuldade. Por outro lado, as palavras foram a sua principal fonte de rendimentos durante toda a sua vida, desde os vinte e um anos; foi, quase desde o princípio, invulgarmente remunerado, e as suas obras acabariam por lhe render, e aos seus herdeiros, quantia prodigiosa» (ib., p. 20).
— Mont.

Paulo Araujo disse...

Churchill, usando de sua incomparável capacidade para fazer retórica, afirmou, replicando a um par, que aquele havia pronunciado uma 'inexatidão terminológica'; porquanto a palavra mentira era proibida entre os Comuns.
(Acho que já comentei sobre isto, neste blogue.)

Anónimo disse...

Caro Bic, se reconhece isso, já está redimido.
- Mont.