12.2.11

Interjeições

Ih, ih, ih

      «Rui Pedro Soares, militante do PS, ex-administrador da PT e arguido (sob suspeita de corrupção passiva) no caso Taguspark/Figo, ilibou ontem José Sócrates das suspeitas de que saberia do negócio PT/TVI antes de ele ter sido tornado público, em 23 de Junho de 2009, numa notícia do jornal i» («Ontem ficou em silêncio», J. P. H., Diário de Notícias, 23.04.2010, p. 3).
      A notícia tem quase um ano, mas é irrelevante para o que pretendo dizer. Já repararam no facto de nunca (ou, vá lá, quase nunca) se fazer desacompanhar o nome «i» da palavra «jornal»? É uma coisinha tão minúscula, e para ali inclinada, e ainda por cima desprovida de semântica, que toda a gente acha que é inadequado escrever meramente «numa notícia do i».
      Eu próprio me sinto na obrigação de escrever mais qualquer coisa. Ah, já sei. A propósito da interjeição «ih», eis que me vem à memória outra (ou «uma outra», como debitariam penas mais redundantes) que encontrei n’As Aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain (tradução de Berta Mendes. Lisboa: Editorial Inquérito, 1944, p. 206). «— Não queria, nem o quero fazer, Huck; ¿mas que diriam os outros? Sim, ¿que diriam os outros? “Pfe, o bando do Tom Sawyer! É só gente de baixa categoria!” E quando dissessem isto, referiam-se a ti, Huck. Tu não havias de gostar, e eu também não.» Ora, eu nunca tinha visto esta interjeição escrita, e não a vejo nos dicionários. E com certeza que a profiro. E não julguem que é o mesmo que puf, pois esta é interjeição de enfado ou cansaço. Digam o que pensam, não se acanhem.

[Post 4430]

8 comentários:

Bic Laranja disse...

Por acaso eu escrevi «pff!» lá onde disse «raisparta!». Foi um dia aziago para eu comentar, aquele...
Cumpts.

Bic Laranja disse...

Diz que os cães não respondem a nomes com mais de duas sílabas, não porque sejam estúpidos, apenas porque são cães. Pensai nos monossílabos 'Zon' e 'Meo' com que os publicitários assoviam aos humanos e vede se não andamos abaixo de cão? O I deitado tem a forma dum osso.
Cumpts.

Anónimo disse...

Pelos fóruns e comunidades e demais redes sociais, lê-se "Pff" o tempo todo.

Paulo Araujo disse...

Existe na fala, basta apenas registrá-lo.

Anónimo disse...

Cuido que as interjeições têm sido descuradas por dicionários e gramáticas em geral.
Essa não há dúvida de que é proferida, e devia ter lá cabida.
Mas aproveito o excerto citado para o seguinte:
reparai na forma empregada pela tradutora: «Tu não havias de gostar». É a canónica: na conjugação perifrástica o auxiliar no imperfeito do indicativo (havias) mais o principal no infinitivo (gostar) equivalem ao condicional (gostarias).
Já no caso do futuro — «tu não hás-de gostar», — a perifrástica constrói-se com o auxiliar no presente do indicativo (hás-de) e com o principal no infinitivo (gostar). Exemplos destes em Vieira, inúmeros: basta folhear o «Sermão da Sexagésima».
Pois bem: conste que uma das recentes «evoluções» consiste em empregar aqueles auxiliares respectivamente no condicional e no futuro, e então surgem as seguintes formas moderníssimas e teratológicas (passe o pleonasmo): «tu haverias de gostar» e «tu haverás de gostar».
Estai atentos.
— Montexto

Helder Guégués disse...

No original: «Huck, I wouldn’t want to, and I DON’T want to — but what would people say? Why, they’d say, ‘Mph! Tom Sawyer’s Gang! pretty low characters in it!’ They’d mean you, Huck. You wouldn’t like that, and I wouldn’t.»

Anónimo disse...

1
Por exemplo:
• «C. E. Stevens passou as férias a montá-lo [ao V de vitória] com uns queimadores de carvão e achou que, se ele gostava, também outros haveriam de gostar», p. 144 de Churchill, de Paul Johnson, Alêtheia, 2010.
2
Outro atentado que tem vindo a padecer o emprego dos tempos do verbo «haver», já referido por mim em anterior comento:
• «Churchill já tinha observado que os alemães estavam há algum tempo a violar as condições do Tratado de Versalhes», ib., p. 116;
• «Quando a invasão se deu, Churchill ficou encantado, e inverteu imediatamente a hostilidade que há vinte e cinco anos tinha pela União Soviética», ib., p. 150.
Reparai também na incorrecção «tinha hostilidade pela União Soviética»; em português de lei, não derreado por barbarismos, quando muito, «tinha hostilidade à União Soviética».
Atentai agora na construção correcta:
• «Liège caíra havia muito», Doutor Fausto, de Th. Mann, trad. de Herbert Caro, D. Quixote, 2010, p. 422;
«O movimento do eléctrico já parara havia horas», ib., p. 463;
• «Tudo aquilo em que uma humanidade evoluída havia muito que cessara de crer tornava-se verdadeiro e real», ib., p. 493;
• «Pois o cavalheiro “doublée” de pianista [Pacheco Pereira, esse estilista moderno, não estaria com meias-medidas, e zás! — ficaria «dobrado de cavalheiro»] desaparecera havia muito no abismo da História», ib., p. 572;
• «O inquilino dos Schweigestill, conhecido havia longos anos», ib., p. 595;
• «Uma tendência que eu já observara nele havia algum tempo», ib., p. 598;
• o artigo «que ele publicara, havia pouco, na revista Kunst und Künstler», p. 606;
• «um homem que havia muito vivia numa atmosfera deprimente, ameaçadora», ib., p. 611;
• «a pacata impotência na qual [melhor: «em que»] vivera havia pouco», ib., p. 621;
• «uma doença da qual havia muito não ocorrera nenhum caso», ib., p. 641;
• «o seu rosto que tomara, havia pouco, outro aspecto», ib., p. 655;
• «Adrian havia muito que se encontrava no recinto», ib., p. 670.
— Montexto

Bic Laranja disse...

Esta do 'há' por 'havia' faz-me urticária. Parece crioulo.
Cumpts.