21.2.11

Selecção vocabular

Catarros estremenhos

      «Florinda Chico deu entrada na Clínica Virgen del Mar, em Madrid, na sexta-feira queixando-se de um catarro persistente. Tão forte que a actriz espanhola não resistiu» («Secundária como actriz, protagonista para o público», Diário de Notícias, 21.02.2011, p. 47).
      Também temos o vocábulo «catarro», e ambos significam o mesmo — muco proveniente da inflamação das mucosas; defluxo ou constipação acompanhada de tosse e expectoração. (Para não ir mais longe, eu próprio estou encatarrado há semanas.) Contudo, não escolheria, para traduzir, o termo «catarro», mas sim «constipação».
      «Nascida na localidade extremenha», lê-se no obituário, «de Don Benito, perto de Badajoz, a 24 de Abril de 1926, Florinda Chico estudou canto durante a juventude e era considerada uma das mais emblemáticas actrizes secundárias do cinema e da televisão, reconhecida pelo seu físico corpulento e ar desenrascado (e por causa do qual fez tantas vezes de criada).» O mesmíssimo Diário de Notícias, de vez em quando, grafa, e bem, Estremadura e estremenho, como já aqui vimos.

[Post 4475]

6 comentários:

Anónimo disse...

Penso que «constipação» é mais geral e poderá não reflectir o significado de «catarro» neste contexto. Eu teria escrito «uma tosse persistente».
RS

Francisco Agarez disse...

Do que eu gostei mais foi do "ar desenrascado" "por causa do qual fez tantas vezes de criada"!

Helder Guégués disse...

Há-de ser estereótipo cervantino, que hoje em dia vêem-se outras qualidades...

Venâncio disse...

«Então o David largou um gemido que nos paralisou a todos. O pobre rapaz não se conseguiu conter. As lágrimas corriam-lhe pela cara, e também o ranho, pois tinha catarro.»

Senel Paz, No Céu com Diamantes, tradução do castelhano por Miguel Castro Caldas (Sudoeste [hoje Sextante], 2007).

Pobre rapaz!

Venâncio disse...

P.S. necessário

O romance do cubano Senel Paz é excelente.

Anónimo disse...

Já outro tanto não direi do Churchill, de Paul Johnson (Alêtheia, 2010), obra menos que mediana, apesar dos ditirambos dos Times e Washingtons Posts & C.ª na contracapa, decerto obedientes ao imperativo maior e fatal da nossa admirável época: a necessidade de vender e escoar o produto, seja lá qual for.

Uma amostra da tradução:

«Nas palavras de Beaverbroock, “Ele nunca foi vingativo”; dizia sempre (e é um dos seus melhores “objecta dicta”): “Na guerra, decisão. Na derrota, desafio. Na vitória, magnanimidade. Na paz, boa vontade» (p. 169).
«Objecta dicta»? Que raio significa isto? Terá querido dizer «obiter dicta»? Vá-se lá saber…
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E logo na pág. 171: «O Partido Trabalhista tinha conquistado 400 lugares, os conservadores tinham ficado reduzidos a 210, e Churchill fora sido reconduzido no cargo.»
Mas, das duas, uma: ou «fora reconduzido no cargo» ou «tinha (ou havia) sido reconduzido no cargo»: «tertium non datur…»
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E, como não há duas sem três (mas neste haverá trezentas), p. 179: «Os resultados eleitorais de 1945 também terão sido uma bênção também pelo facto de o terem aliviado de uma pesada carga de trabalho».
Expunjam-lhe um «também», que ainda lhe resta o bastante. E, se fizerem o mesmo a «o facto de», só fica a ganhar. E, se lhe substituírem um dos verbos «ter», ainda maior o ganho, tanto mais que a frase seguinte reincide em mais dois: «Com efeito, se tivesse continuado a ser primeiro-ministro, é provável que não tivesse sobrevivido muito tempo».
Fica a gente sem saber a quem atribuir estes primores: ao revisor, ao tradutor ou (excepto o 2.º) até ao autor? Aqui tudo é possível.
Aproveite-se para representar aos leitores mais modernos o que as gramáticas mais antigas recomendavam, oficiosas: fugir quanto possível os verbos «ser» e «estar», «dizer» e «fazer», «ter» e «haver», e outros por igual recorrentes, e substituí-los por vozes mais expressivas (salvo que se siga o minimalismo à la Hemingway ou, pior, à la Raymond Carver e mais epígonos do mesmo farelo...).
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Mas rematemos com algum passo que nos sirva de refrigério, depois destes e outros atentados à mera correcção. Ei-lo a págs. 179: «Tinha imenso em comum com Munnings [Sir Alfred Munnings, presidente da Real Academia], nomeadamente o facto de ambos apreciarem a vida e as cores, e detestarem a “arte moderna”. Conta Munnings: “O Sr. Churchill dizia-me: ‘Alf, se fosse a descer Picadilly e visse o Picasso à sua frente, o que é que fazia?’ ‘Dava-lhe um pontapé no traseiro, Sr. Churchill.’ ‘Exactamente, Alf.’”»
E bem no olho, Sir Alfred, bem no olho…
— Montexto