Consultei o verbete «cor-de-rosa» no Dicionário da Língua Portuguesa 2011 da Porto Editora. Resumo: «cor-de-rosa aAO ⇒ cor de rosa dAO». Como? Contudo, a Base XV («Do hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares»), n.º 6, do AO90 estatui: «Nas locuções de qualquer tipo, sejam elas substantivas, adjetivas, pronominais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais, não se emprega em geral o hífen, salvo algumas exceções já consagradas pelo uso (como é o caso de água-de-colónia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa).» E seguem-se exemplos de locuções substantivas, adjectivas, pronominais, adverbiais e prepositivas, mas que não vêm ao caso, pois já estamos servidos: «cor-de-rosa» é uma excepção indicada pela própria norma, não há necessidade de interpretar o dúbio «salvo algumas exceções já consagradas pelo uso». Experimentei (mais uma vez, lembram-se?) o corrector ortográfico da Porto Editora, tão apregoado junto dos professores. Escrevi a seguinte frase: «De facto, comprei uma mini-saia cor-de-rosa.» Resultado: «6 palavras analisadas, 0 modificadas — 0% alteradas». Mas o vocábulo «facto» aparece assinalado de outra cor. E depois estoutra: «De facto, comprei uma minissaia cor de rosa.» Resultado: «8 palavras analisadas, 0 modificadas — 0% alteradas». Só o vocábulo «facto» aparece assinalado de outra cor.
Imaginem agora o que será quanto a todas as outras palavras que, não estando exemplificadas pelo texto do AO90, poderão estar abrangidas pelo conceito quase indeterminado «salvo algumas exceções já consagradas pelo uso». Temo o pior.
Lia-se hoje no Diário de Notícias: «A Porto Editora adopta hoje o novo Acordo Ortográfico, passando a utilizar a nova grafia em todos os documentos e no sítio oficial, para lá de lançar um guia prático e reformular o conversor online. “Contém tudo o que é necessário saber sobre a nova grafia”, resumiu fonte da editora à Lusa» («Porto Editora vai adoptar nova grafia», Diário de Notícias, 1.03.2011, p. 18). Espero é que não usem o conversor deles.
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30 comentários:
Eu nesses mistérios não me meto, como já disse. Mas não posso deixar de admirar a técnica legislativa: «salvo as excepções consagradas pelo uso»! Linda maneira, sim senhor! E por quê exceptuar «as consagradas pelo uso»? E como advertirá o falante comum, sem necessidade de grande consulta livresca, mas com a necessária nitidez e rapidez, a estrema entre «as excepções consagradas pelo uso» e as que o não são ou o são menos ou um pouco menos? Que pãezinhos!...
— Montexto
O FLiP 8 pede para tirar o hífen à saia e pô-los na rosa.
O FLiP acaba de ser actualizado, adoptando o Vocabulário Ortográfico produzido pelo ILTEC e doravante oficial. É de esperar que a Porto Editora faça o mesmo. E que a Academia cancele a produção do seu.
Mas até 13 de Maio de 2016 um cidadão consciente redige no regime actual. Que mais não seja, para ajudar a manter abertas as vogais pré-tónicas. Que se vão fechando (sou um torturado ouvinte de rádio e TV) a ritmo assustador.
Ou, segundo outros, até 17 de Setembro de 2016.
E por quê 1916? O que muda nesse ano? Porque não já? Estarei inconsciente de alguma coisa?
Foi o ano da Grande Guerra...
Desculpem! Onde escrevi 1916 queria escrever 2016, claro!
Caro R. A.,
Nessa data (ainda incerta — Maio ou Setembro? —, pelo que se vê), termina o período de transição para o Acordo Ortográfico de 1990.
O regime actual comigo pode contar — até lá para bem mais de 2016, se eu entretanto não me ficar pelo caminho...
A propósito do fechamento das vogais: na escola devia haver um tempinho consagrado à dicção, a ver se o Jovem, essa divindade, aprendia a escandir melhor as sílabas e sons do que o fazem os paizinhos. Pratica-se para aí uma linguagem assaralhopada em tanta maneira, que nem para afalar a cavalgaduras serve. É aqui que em geral os Brasileiros nos levam a palma.
— Montexto
Levam a palma levam. Em bem mais do que martelar sílabas...
Cumpts.
Venâncio
Que a academia do Kasteleiro não servia para nada que jeito tivesse já tínhamos as desgraçadas provas do aborto gráfico e da ida do Malaka à editora Porto para fazer um vocabulário mais - digamos - comercial? - E (ag)ora bolas! que a Porto vai submergi-lo ao do I.L.T.E.C.?!... - Mas nada disto admira. O que admira é que o vocabulário do I.L.T.E.C. ( (doravante oficial, não é?) judie (*) comigo e me azede a adopção em adução decepando-lhe o pezinho (**) etimológico e passe adoçar a tropical adoção com o pê decepado.
Parece confuso?
(*) Do amaricano "bullying".
(**) Esta de do pêzinho e do pèzinho é que ninguém quis resolver, não é verdade?
Cumpts.
Bic,
O que parece inevitável (a médio, se não curto prazo) é que, entre nós, ADOÇÃO passe a soar como ADUÇÃO. E que portanto (a longo, se não médio prazo) se escreva ADUÇÃO de açúcar e ADUÇÃO de crianças.
Os brasileiros não têm esse problema, já que distinguem entre ADUÇÃO e ADOÇÃO (com ô). Mas nós não possuímos ô átono (a não ser em início absoluto de palavra).
Como este, há bastantes casos mais. Lembro RECESSÃO e RECEÇÃO, este com è mas fatalmente a caminho de 0 (=zero), como o primeiro.
Malaka Kasteleiro não se importou com estas ninharias. Mas o Vasco Graça Moura pode ter andado bem quando falou em «crime».
No Brasil, não existe adoptar, nem seus deverbal e deadjetival, como está no ILTEC.
Quando a adoçar, o verbo não gerou deverbal, portanto não se usa adoção para significar que 'açucar foi adicionado'.
Quanto a adotar e seus deverbal e deadjetival, pronuncia-se com /ó/ aberto; a pronúncia com /ô/ pode ocorrer regionalmente, mas com fechamento quase imperceptível (esse 'p' é pronunciado).
Paulo Araújo. Vai ver há um subversivo infiltrado no I.L.T.E.C. minando o vucabulário oficioso do guverno Sócrates. Ou será só mais um incompetente?
Cumpts.
Não há aí um cacófato no nome do homem? Hum! Mau agouro...
— Mont.
Se perguntava se o pê de "adoptar" é pronunciado em Portugal, respondo-lhe que sim. O que há é muito surdo que o não ouve.
A explicação depreende-se do que nos disse o Venâncio e no que já dizia Gonçalves Viana há mais de cem anos.
Em África consta que a tendência para fechar as vogais átonas é semelhante à do português.
Cumpts.
Montexto
Não. Há declínio civilizacional, isso sim.
Cumpts.
Não estou receoso assim com a atonia das vogais no linguajar português pois mantemos vogais abertas em palavas que perderam o acento como "meta", "seta" e "caco".
Quanto às vogais pré-tónicas, permito-me transcrever a argumentação da "Nota explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa":
«A justificação de que as ditas consoantes mudas travam o fechamento da vogal precedente também é de fraco valor, já que, por um lado, se mantêm na língua palavras com vogal pré-tónica aberta, sem a presença de qualquer sinal diacrítico, como em corar, padeiro, oblação, pregar (= fazer uma prédica), etc., e, por outro, a conservação de tais consoantes não impede a tendência para o ensurdecimento da vogal anterior em casos como accionar, actual, actualidade, exactidão, tactear, etc.»
Muito bem.
Assim de cor lhe prego (de prédica ou de pregar, interprete como puder) já que corar e padeiro ainda sofrem a crase das vogais 'o' e 'a' do antigo coorar (lat. colorare) e paadeiro (baixo lat. panatariu).
Sobre a nota explicativa, só prova que se o fechamento vingou apesar da consoante etimológica nalguns casos, o caso só pode piorar sem elas.
Quanto a vogais átonas em 'meta', 'seta', etc. nem sei que lhe diga.
Cumpts.
Caro R.A.,
A presença não impede o fechamento. Mas a próxima universal ausência vai acelerá-lo. É disso que eu falo. É para isso que alertamos. Os autores do A.O., mailos políticos que lhes deram cobertura são uns irresponsáveis.
Não me move nenhum conservadorismo gráfico, acredite. Eu apoiaria, até, uma jeral revizão. Por exemplo esta... que já em 1911 (faz agora 100 anos) foi proposta.
Bic,
Pregamos (prègamos...) em uníssono. Assim é que é bom.
P.S.
Também me lembrei de perguntar ao R.A. que história era essa do não fechamento em "meta" ou "caco". Mas percebi que foi um deslize.
Concordo com o Sr. Venâncio. Infelizmente as alterações têm de ser, no máximo, uma por geração.
Não apenas em português, mas em muitas línguas, nestas incluídas todas as latinas, temos letras demais para sons de menos ou vice-versa. G e J; C, Q e agora K, e os incríveis 5 sons para a letra X serão revisados um dia. Quanto às vogais, não há jeito (ou geito?); exagero à parte, nem dois irmãos gêmeos conseguem pronunciá-las de forma idêntica.
O que quis dizer é o seguinte: «Que séca! à chegada à méta eu estava feito um cáco». Eram só exemplos de vogais abertas que "já" não precisam de acento e se mantêm abertas...
As pré-tónicas precisavam, até agora, da tal consoante muda. Vão deixar de precisar e, acredito, nem por isso se fecharão.
Não fui claro nem correto mas peço relevem visto ser um amador mal preparado (além de asno, claro).
R.A.,
Uma vogal tónica é, por definição, uma vogal aberta. Exceptuam-se (em Portugal) as palavras cada e para.
Quanto às pré-tónicas, a sua afirmação é estranha.
«As pré-tónicas precisavam, até agora, da tal consoante muda. Vão deixar de precisar e, acredito, nem por isso se fecharão.»
Não se trata de «deixar de precisar», mas de simples e pura ELIMINAÇÃO.
A minha percepção (que repito) é esta: o já activo processo de fechamento (mesmo com consoante muda...) vai acelerar-se após e eliminação. Fique atento. Vou ter (infelizmente) razão.
A oclusão é o nosso fado. Temos o destino selado e... fechado. Também aqui — procura-se desesperadamente uma saída.
— Mont.
Paulo Araujo: se se diz ou não, não sei, mas o VOLP da Academia Brasileira de Letras tem lá na sua nomenclatura o 'adoptar', o 'adopção' e demais parentes.
Antonio B: de fato o VOLP estranhamente registra, mas não se usa. O único dicionário que registra essas grafias é o Aurélio e assim mesmo apenas para remeter às formas sem o 'p'. É sintomático que no dicionário da ABL e no do Bechara não constem.
Complementando meu comentário anterior: tudo indica ter sido erro do VOLP, que deve ter copiado o Aurélio, único dicionário brasileiro que registrava a dupla grafia, assim adotada para ser vendido em Portugal.
Por lapso de digitação meu nome não foi junto ao comentário anterior.
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