30.3.11

Anglicismos

Haja ouvidos e vento

      Ontem, Miguel Esteves Cardoso levantou-se menos inglês que nunca, e pôs-se a desancar nos anglicismos mais óbvios usados na imprensa, e em especial no jornal em que publica a sua crónica diária.
      «Ontem, a Standard & Poor’s cortou o rating português para BBB-, “a apenas um passo do nível denominado como junk”, dizia o PÚBLICO online. Podia ser pior: “a agência baixou também o rating atribuído à Grécia, para BB-, três níveis abaixo do português”. O FT.com adiantava que a S&P tinha tirado Portugal “da lista creditwatch negative”, o que se presume ser coisa boa e de pouco consolo.
      O downgrading do rating para quase junk pede que se pense mais em português. Desgraduar é só uma palavra, ao contrário da inglesa, que são duas coladas. Se existe a graduação do vinho e há anos em que o grau é menor, também existirá a desgraduação. Ou degradação. Ou desvalorização. Ou, mais estupidamente, despromoção.
      O rating ainda é mais fácil: é escalão ou cotação ou, melhor, por serem four letter words: grau, nota ou furo. Afinal, é uma avaliação quantificada, como as estrelas do PÚBLICO. Junk é americano para lixo (e ultimamente calão para qualquer genitália). Também se poderia traduzir zero, já que a agência classifica a Grécia como estando a dois graus abaixo de zero, enquanto Portugal se mantém a um grau acima de zero» («Embarquemos no junco», Miguel Esteves Cardoso, Público, 30.03.2011, p. 39).
      Nos noticiários da Antena 1, nunca ouvi a palavra junk — mas também era só o que faltava. Diziam «lixo», que é junk mas é português. O aportuguesamento devia ser sempre a última opção. O ideal seria encontrar termos em português para traduzir os estrangeirismos. Assim, os termos aventados por Miguel Esteves Cardoso são tão bons como outros. O problema é que são aventados — ou seja, e etimologicamente, atirados ao vento —, não são sugeridos ou recomendados por uma entidade que vele pela língua, porque a não temos.

[Post 4630]

3 comentários:

Anónimo disse...

Evidentemente: 1.º o termo equivalente em português, e, só na sua falta, o aportuguesamento.
Quanto à tal entidade, outro dia sugeri que houvesse uma: alegaram-me logo com a existência de não sei quantas, ou institutos ou organismos, já não sei bem, que até fiquei baralhado...
«Pergunto-me como é possível fazerem isto ao país», espantou-se o outro em português duvidoso (reacção aconselhada desde muito por Swift à criadagem: «Quando cometerdes algum deslize, sede sempre atrevidos e insolentes, e comportai-vos como se fôsseis a parte lesada, o que logo desnorteará o vosso amo»). E eu também pergunto, mas talvez com mais razão, como é possível fazerem isto à língua!
— Montexto

Bic Laranja disse...

Li esta crónica do Esteves Cardoso e de início não lhe apanhei a ironia; parecia-me que ia no sentido oposto, mas não.
Junk será mais lixo ou sucata?
O rei Tingue é que já foi entronizado pela República, não fosse a dívida sobrena da dita.
Cumpts.

Bic Laranja disse...

Soberana, digo.
Cumpts.