Outros ilhéus
«As ilhas surgiram no Porto, no início do século XIX, e são uma tipologia específica de habitação operária, onde o espaço privado quase não se distingue do público. Espaços colectivos, fechados sobre si mesmos, com infra-estruturas deficientes, que tiveram a sua génese na necessidade de albergar a população carenciada e que persistem até aos nossos dias. Ninguém sabe ao certo quantas existem, mas um estudo de 2001 apontava para 1300» («‘Ilha’ quer receber tribos urbanas», Joana de Belém, Diário de Notícias, 6.03.2011, p. 27).
Já aqui falei uma vez deste conceito. Volto ao assunto, agora pelas palavras de Agostinho de Campos: «¿E o sentido portuense da palavra ilha = “espécie de bêco cercado de pequenas habitações para gente de poucas posses”? Gonçalves Viana menciona-o sem o explicar, limitando-se a classificá-lo de significado particularíssimo.
Particularíssimo, de-certo. Mas parece que também antiquíssimo, e de boa estirpe latina. Pompeius Festus, lexicógrafo venerável que viveu no século III, atribui a insula o sentido de casa isolada; Cícero, no De Senectude, emprega insula com a significação de casa (ou grupo de casas) de aluguer, e fala em insularum domini como quem diz donos ou senhorios de ilhas — de ilhas à moda do Pôrto, para habitação de gente pobre» («Os belos charutos e as míseras “ilhas” do Pôrto», in Língua e Má Língua. Lisboa: Livraria Bertrand, 1944, p. 34).
[Post 4548]
5 comentários:
Não conheço o Porto (apenas Lisboa, Cascais e Sintra) mas penso ser uma das acepções de vila, como aqui é conhecida.
“Há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos”
Cavaco Silva, no discurso da tomada de posse
Que se podem pedir?
Alguém me explique o que está a acontecer a esta língua e a esta gente para uma frase tão simples e corriqueira, pronunciada a cada passo por todo o bicho-careto e encontradiça nos bons autores, nos maus e nos assim-assim, — o que está a acontecer para uma frase destas suscitar dúvidas ao lusíada, coitado.
— Montexto
P.S. — Se alguém duvidar da legitimidade dessa frase e de outras que tais, tira-lhas Mário Barreto, Através do Dicionário e a Gramática, em págs. que não indico já porque agora me estão distantes. Mas é necessário lê-lo.
— Montexto
Permita-me, Helder, uma digressão para falar de ilha, a porção de terra cercada de água. Um jornal brasileiro publicou hoje que os Ingleses devolverão relíquias roubadas, no século XIX, de uma ilha no Pacífico. Conclui dizendo que os 'islênios' estão em júbilo. Fui ao Houaiss, que não tem o verbete, mas diz, na etimologia de 'ilhéu': "ETIM fr. ant. isleau dá orig. ao esp. isleo (1492) e, daí, o paralelismo esp. isleo e port. ilheo/ilhéu 'ilha pequena' e tb. o paralelismo esp. isleño (1548) e port. ilheo/ilhéu (1836) 'habitante de ilha', ambos resultantes da equiparação do esp. isla e port. ilha, por infl. do esp., do cat. e do provç. sobre o port., em matéria insular e marítima; ver 1-ilh- e insul-; f.hist. sXV hillheeo, sXV jlheeo, sXV jlheo 'pequena ilha', 1836 ilheo, 1858 ilhéu 'habitante de ilha'". Como diz o Montexto, acabou (ou começou) em franciú. Mas o que me chamou à atenção foi ler sobre a influência do catalão nos assuntos marítimos, em nossa língua; nau está aí para comprovar.
Talvez, hoje, os catalães não encontrem mais tanta afinidade com essa palavra, mas Portugal jamais a tirará de sua história.
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