24.3.11

Como se fala na rádio

À empreitada

      «Ser um velho do Restelo. De uma pessoa conservadora, antiquada, ultrapassada, parada no tempo, de alguém que resiste à mudança e para quem qualquer empreitada parece impossível de realizar, de alguém que apregoa a desgraça, diz-se que é um velho do Restelo» (Mafalda Lopes da Costa, Lugares Comuns, Antena 1, 24.03.2011).
      Vasco Botelho de Amaral tinha sempre a preocupação, não apenas de apontar o erro, mas de tentar explicá-lo, o que nem sempre é possível, convenhamos. Neste caso, julgo perceber porque foi usado o vocábulo «empreitada» em vez de, por exemplo, «empresa» ou «empreendimento». Como «empresa», como o passo claramente exigia, na acepção de obra ou desígnio levada a efeito por uma ou mais pessoas; trabalho, tarefa para a realização de um objectivo, tem um recorte literário e clássico, é muitas vezes substituído por outro termo; «empreendimento», por seu lado, que passou nos últimos tempos a designar quase exclusivamente a organização formada para explorar um negócio, foi evitado. Não direi, como Fernando Venâncio, que Mafalda Lopes da Costa está a falar para gente já salva, mas não é com erros que se ensina ou informa ou deleita.
      A última vez que aqui referi mais um deslize ouvido naquele programa, um anónimo deixou o comentário, que não publiquei, pois claro, em que afirmava que eu tinha um problema mal resolvido com Mafalda Lopes da Costa. Uma análise de génio, de que não quero continuar a privar os meus leitores. Há-de ser a conclusão de todos os visados (família e amigos) nos meus textos.


[Post 4605]

5 comentários:

Anónimo disse...

Sim, parece que o vulgo profano desadora vozes de recorte clássico e literário, o que é natural e lhe quadra bem.
Quanto ao mais, já se sabe: «tout est honni, hors nous et nos amis.»
— Montexto

Venâncio\ disse...

Pois é, Helder, eu também me coçaria atrás da orelha (um gesto muito comum em economistas, já reparou?) antes de usar empreitada ali. E talvez acabasse por não fazê-lo. Mas, onde está, o termo tem, reconheça-se, alguma selvagem graça.

P.S. Quando falei em pregação para gente já "salva", tive em mente tonitruantes tiradas a assinalar descaminhos, tiradas, essas, inaudíveis para os prevaricadores. Não visava os (eventuais) descaminhos em si.

Anónimo disse...

E, por falar em empresa, não é de lastimar que o Priberam assim enumere suas acepções?

empresa (ê)

s. f.1. Especulação industrial ou mercantil.
2. Sociedade ou companhia que explora qualquer ramo de indústria ou comércio.
3. Cometimento ousado.
4. Intento, desígnio.
5. Divisa que os cavaleiros mandavam gravar no escudo, e que representava o que iam empreender.
6. Heráld. Figura simbólica acompanhada de letra ou mote.

Anónimo disse...

Nunca se sabe se os tais ouvem ou não. Na dúvida, vá-se presumindo que sim. E, quando não, serve-nos de exercício de estilo.
— Montexto

Bic Laranja disse...

E empreita, valeria por empresa?...
Cumpts.