8.3.11

«Curgete»/courgette»

Eh lá!

      «No Grande Dicionário (da) Língua Portuguesa da Porto Editora, a única autoridade em que se deve confiar, há duas palavras que não constam: courgette e abobrinha. […] Para que não se pense que a Porto Editora é antifrancesa, registe-se já que inclui e define coup de foudre e coup de théâtre. Courgette é que não — e com razão. […] Cabe-nos escolher o nome para esta planta comestível. A minha conclusão, depois de muito pensar, é que devemos seguir o exemplo francês e dizermos e escrevermos “curjetes”» («Queridas gorjetas», Miguel Esteves Cardoso, Público, 8.03.2011, p. 39).
      Também eu, hoje de manhã, estive mais de uma hora a escrever um texto para o blogue, e no fim concluí que tinha enveredado por um caminho pouco promissor. Apaguei-o e só fiquei um pouco enxofrado até ao pequeno-almoço. Ah, mas estou a divagar... Caro Miguel, creio que todos os dicionários da língua portuguesa da Porto Editora («a única autoridade em que se deve confiar»?!) registam «curgete», pelo que podemos bem dispensar as courgettes.

[Post 4542]

11 comentários:

Francisco Agarez disse...

Estaria o MEC a ser irónico com aquela de "no Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, a única autoridade em que se deve confiar"? É que eu acho o dito dicionário um autêntico albergue espanhol.

Anónimo disse...

1.º, como se pode imaginar que em Portugal alguém ou algum dicionário seja antifrancês? Mais depressa os encontrareis antiportugueses; 2.º, exotismo excluído da última edição desse é raridade tal e tamanha que bem merece acarinhada; 3.º, confiar unicamente nele só me ocorreria num estado de declarada inimputabilidade.
— Montexto

Anónimo disse...

Não vejo porque razão um dicionário editado em Portugal deva registar “abobrinha”, visto ser o nome pelo qual são conhecidas as curgetes no Brasil. Mas como MEC também acha que devia registar palavras francesas, está dentro da mesma lógica.

Quanto ao dicionário da Porto Editora ser uma autoridade, quanto mais a única, acho que nem merece comentário. Desde os de Português, aos de Inglês-Português, passando pelos de Espanhol-Português, ainda não encontrei um único que pudesse dizer: “Ámen! Eis um bom dicionário da Porto Editora!”.

O MEC costuma dar tiros ao lado, mas esta crónica foi uma metralhada ao lado.

Bic Laranja disse...

Esta do Esteves Cardoso pode até ser um tiro no pé, se a edição for a mais recente. É que a "Apologia do Desacordo Ortográfico" do António Emiliano ((Verbo, 2010))vai-lhe com dedicatória e nestes termos:
& dedicado aos
Illustrissimos & Doutos Senhores
MIGVEL VICENTE ESTEVES CARDOSO

...
Haveis de facilmente adivinhar o outro. Pena é que andem os dois (três, com o próprio A. Emilianto) muito pouco activos com o descaminho que a coisa já leva.
Cumpts.

Anónimo disse...

No mesmo jornal das abóboras, Público, 08.III.2011, Pedro Lomba, um belo artigo quanto à substância; mas, quanto à forma: «Lembrem-se sempre que, por mais agudo que seja o vosso aperto, os tribunais podem ser aliados. […] Contem sempre com a solidariedade e protecção daqueles que vos nomearam e de outros avençados como vós.»
Lembrem-se … o vosso aperto…, contem… com a solidariedade daqueles que vos nomearam e de outros… como vós: na escola, in illo tempore em que se costumava ensinar português, vincava-se bem a correspondência entre pronomes pessoais, pessoas verbais e pronomes possessivos respectivos. Mas parece que já ronda por aí pessoal da glote a jurar que sim senhor e ámen e mais isto e mais aquilo.
As curgetes, curjetes ou abobrinhas sempre se comem, questão de léxico, pecado venial, mas esta é questão de sintaxe e esqueleto, pecado capital, não se me engole… Apetece gritar: Às armas, cidadãos!
— Montexto

Venâncio disse...

Ou como o PR, que ontem disse aos jovens: «Façam ouvir a vossa voz».

E no entanto eu, ínfimo no «pessoal da glote», e que até aprendi na adolescência minhota as segundas pessoas plurais do verbo (que ainda hoje domino impecavelmente), estou de acordo, Montexto.

Veja a coisa assim. Há (para o que aqui interessa) dois sistemas de pronomes: os pessoais e os possessivos. Eles evoluem em igual direcção (rumo à eliminação das marcas da 2a pessoa plural), mas fazem-no com um desfasamento. Coisas destas sucedem em todas as línguas naturais. Há aí um elemento de caos, com que importa convivermos.

No Brasil, a situação actual (que vai perdurar ainda uns bons decénios) é, aos nossos olhos, mais caótica ainda, com a convivência de marcas da 2a e 3a pessoas singular aplicadas ao mesmo referente: você, tu, te, ti e teu, seu. A sua sábia mistura (que me deixa perplexo) indica, infalivelmente, variados graus de intimidade, ou de falta dela.

Anónimo disse...

Que coisa não há-de ter a sua explicação neste baixo mundo? Deixe-me usar de um giro bife desta vez para que os moderníssimos atinjam à primeira (chegámos a isto): «No way, dear Venâncio, no way.» Isso desconchava, baralha e abastarda a santa sintaxe. Confusão própria de selvagens e bárbaros. Do pior que está a grassar grosso e grosseiro na língua. Esfola-me os ouvidos. «Non possumus.»
— Montexto

Bic Laranja disse...

A começar pela falta de intimidade com o idioma.
E pronto: já temos o nosso presidento.
Cumpts.

Venâncio disse...

Montexto e Bic,

Como utente do idioma, posso lamentar (e lamento) os estados caóticos do sistema (que são bastantes mais, nem o Montexto sonha, e vive bem com eles).

Mas, como observador, só posso constatar, e ajudar outros a verem claro. Só posso, numa palavra, desdramatizar. Sem a eloquência nem os elegantes urros do Montexto, ça va sans dire.

Anónimo disse...

Desdramatizar, Venâncio? A coisa está mais para o trágico. Antes se pusessem rasas de sal na ferida, a ver se se acordava deste sono letárgico...
— Mont.

Anónimo disse...

Ah! e os meus sonhos com a língua, se o Venâncio os conhecesse, não lhes chamaria sonhos, senão pesadelos.
— Montexto