Estribilho enfadonho
Estão a ver aquele «não é?» de João Almeida, do Quinta Essência? Lembrou-me o comento de Montexto: «Ainda haverá quem se lembre de que “a partir de” é um galicismo? Acho que Camilo nunca o usou... No caso podia substituir-se por “desde aí, desde então”.» E não podia ver-se no estribilho «não é?», demasiado usado por alguns, influência do «n’est-ce pas?» francês? «Andam», escreveu Vasco Botelho de Amaral, «na verdade, bem esquecidas as naturalíssimas formas de preguntar — “não é verdade?”, “não lhe parece?”, não acha?”, “ora, não?”; então, não?”, pois não?”; ou simplesmente “não?”» (Meditações Críticas sobre a Língua Portuguesa, Vasco Botelho de Amaral. Lisboa: Edições Gama, 1945, p. 217).
[Post 4523]
4 comentários:
Nem mais.
— Montexto
A apreciação portuguesinha do galicismo tem destas coisas. Tudo quanto parecer sê-lo é suspeito. Como chamar a isto? Trauma?
E que mal tinha que fosse inspirado pelo francês? Um terço de tudo quanto dizemos por dia veio direitinho do castelhano. E vamos, por isso, calar-nos?
Já agora aproveite-se o tema dos bordões de linguagem para expor mais uns quantos no pelourinho, aos apupos do bom gosto. Sem puxar muito pela memória, eis alguns dos que mais infestam e desonram a fala da turba insensata:
• efectivamente, aparentemente, nomeadamente, designadamente, manifestamente, seguramente, e outros advérbios em -mente, moda fácil que ficou de Eça de Queirós e do seu «molemente»,
• em termos de…, a nível de…,
• de resto,
• o facto de…, pelo facto de…,
• ter a ver com…, não tem a ver,
• agora (como que adversativo: «agora que isso seja assim, já não sei…»),
• quer dizer,
• tipo: tipo um carro…, tipo uma pessoa sair de casa e…,
• é assim,
• é complicado,
• é que: que é que…? como é que…? porque é que…?
• acessibilidades,
• evidências (por provas, chegada via bife, como outras),
• auto-intitular-se, autoclassificar-se, auto…
Enfim, «O horror! O horror!» (Kurtz).
— Montexto
Não é a apreciação portuguesinha do «galicismo», é a apreciação portuguesa, que, de tão rara, pode surpreender as Marias que vão com as outras, sempre prontas a abrir as pernas a gandulos forasteiros, quando têm ao pé da porta pimpões de alto lá com eles que lhe podiam fazer o servicinho por bem menos e melhor, e ficava tudo dentro de portas, como Deus manda. Mas as ditas Marias são volúveis, e as suas aias não são firmes. A julgar pelo que tenho ouvido, calar até nem seria mau; mas, se for de todo o ponto necessário falar, então façamo-lo um pouco mais asseada e portuguesmente. Vá lá, não custa assim tanto. É só querer. O mau é que parece que há muito quem não queira...
— Montexto
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